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A mostrar mensagens de 2010

Tudo Começa na Escola

Fui ao Estoril Film Festival ao encontro de Escolas de Cinema europeias. Estavam naquela manhã representadas Escuela de Cinematografía y del Audiovisual de Madrid (Espanha), a INSA (Bélgica) e a Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Os filmes belgas e espanhois, heterogeneidades à parte, apresentavam, sem excessão, histórias e uma acção bem vincada, com momentos fortes e premissas dramáticas assumidas e "explicadas". O filme português era contemplativo. Um adolescente num suburbio lisboeta fundia-se na sua paisagem quotidiana de modorra e dormência. Limpa a piscina, percorre a Ponte Vasco da Gama, vai a uma discoteca, enterra um animal de estimação, bicicleta a baixo bicicleta a cima... Vejo com preocupação que tudo começa na escola. Em França alguns autores falam da herança da Nouvelle Vague no persistente preconceito simplista Autoral vs. Comercial. Mas até o contexto francês já é de permanente mudança em que as responsabilidades criativas são repartidas entre produ

Master Class de Kiarostami no Estoril Festival

Ficam aqui uma breve descrição das considerações que gerou o Master Class de Abbas Kiarostami na apresentação do seu filme "Cópia Conforme" O realizador iraniano admitiu que não consegue ajuizar sobre continuidades na sua obra. Quanto ao filme em si sofre da miopia própria de quem vê o fruto de um trabalho recente: "ainda não sinto o sabor do meu próprio cozinhado, que ainda está fresco, para já olho para ele com um olhar meramente técnico". Admite "Viagem a Itália" de Rosselini com um dos filmes que mais o influenciou no princípio da sua cinefilia mas nem por isso vê uma ligação clara a "Cópia Conforme". O seu espírito de constante experimentalismo teve numa produção internacional com actores estrangeiros um aditivo importante e que sublinha a universalidade das questões humanas levantadas. Não existem, segundo ele, traços de culturalidade no seu filme. Num cenário de proscrição permanente na sua terra natal percebe-se esta tónica culturalmente

Um Olhar Muito Meu III

Deixo-vos um exercício que fiz para a Escola Superior de Teatro e Cinema. Tarefa: num único plano, com duração máxima de 1,5 minutos, criar um olhar pessoal. Mostar com uma câmera uma marca de vida que dê forma a um visão cinemática. Independentemente da qualidade, sei que fiz, seguramente, o que me foi pedido - algo direitinho do coração.

Kitsch - um olhar muito meu II

Vi-me, por motivo de férias, num resort na ilha da Boa Vista emCabo Verde. Não quis deixar de captar as perplexidades do surreal e disforme ambiente a que com o passar dos dias me acabei por acomodar: uma inédita e saborosa (semi)dormência dos sentidos.

"The Expendables" - O Gozo dos Canastrões

The Expendables traz-nos um grupo de amigos canastrões dispostos a gozar consigo próprios. Dois deles recentemente renascidos. Stallone tomou a seu cargo a revisitação conclusiva da personagen Rocky Balboa. Fê-lo com uma sensibilidade supreendente, respeitando a personagem que o próprio criou, e que John G.Avildsen deu vida, mas também pondo algo do seu próprio percurso reflexivo enquanto estrela caída. Mickey Rourke por sua vez, pôs nas mãos de Darren Aronofsky todas as suas próprias cicatrizes emocionais que a sua diletância de décadas deixou. Foi um enorme acto de fé e coragem que resultou num dos mais emocionantes filmes dos últimos anos (“The Wrestler”). Toda uma série de canastrões se juntam a esta parada de auto-ironia cumprindo os respectivos type castings para lá da da caricatura: o Eric Roberts vilão empedernido de filmes como “The Specialist” (onde contracena com Stallone), Dolph Lundgreen o brutamontes automato de Rocky 4, Bruce Willis e seu tradicional charme e ironia...

Vida e Dramaturgia

Alguns (a maior parte) dos biopics não me preenchem minimamente. Pecam (a maior parte) por simplificar, balizando vidas em plot points e defining moment s claros. A vida de um ser humano e a dramaturgia terão sempre este óbice. A primeira é demasiado complexa e incoerente para encaixar convenientemente na inteligibilidade da segunda. Mas alguns filmes são particularmente desonestos neste particular. Entram numa diegese enciclopédica que apenas raspa a superfície. Na maior parte dos casos o que este género produz são elegias pouco críticas e poucos conseguem fugir a um manipulador tom épico. Lembro de "La Vie en Rose" o filme biográfico de Piaf. O guionista parece ter adaptado o seu texto do correspondente artigo wikipedia, de tal maneira confirma tudo o que (pouco) sabemos sobre a sua torturada existência. Mas alguns tomam a honesto rumo da selectividade. Preferem mostrar um segmento de vida que seja a quintessência da personagem, no que ela representou e no que ela foi como

Convidado de Honra nº 7 - José Farinha e "O Inimigo sem Rosto"

Entrevistei para o Gimmicky José Farinha sobre a sua primeira longa metragem "O Inimigo sem Rosto". Fala-nos, sem reservas, dos sucessos e obstáculos que enfrentou no projecto e no panorama do cinema português em geral. Porquê o atraso na estreia do filme? A este respeito, que obstáculos se levantam, na tua opinião, à estreia de mais filmes portugueses na nossas salas? É uma questão pertinente que me transcende mas que tem a ver com a burocracia institucional. Esta pergunta deveria ser colocada ao ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) e à produtora TAKE 2000. Um realizador sente-se de mãos e pés atados quando estes atrasos surgem. O que se torna desmotivador... mas o filme não perde força graças à temática - poder, fraude e corrupção em Portugal - 5 anos para trás ou 5 anos para a frente não conseguem desgastar o filme. Aposto que daqui a 5 anos continuará actual porque demoramos muito tempo a modificar a sociedade e a Justiça é muito lenta. Foi rodado entre Novembro e Dez

Convidado de Honra nº 6 - Fernando Galrito, programador do "Monstra"

Entrevistei para a revista " Take " Fernado Galrito, programador do festival de cinema de animação " Monstra 2010 ", sobre o evento deste ano, que se passou de 11 a 21 de Março. Aprendi imenso sobre uma efervescente área do cinema para a qual não estou propriamente vocacionado. Começava por lhe pedir um enquadramento desta edição do Monstra. Dois ou três aspectos marcam esta edição. O Monstra faz 10 anos de idade. Foi o primeiro festival da cidade. Todos os anos pomos enfoque numa cinematografia convidada. Quando nascemos invocamos os 500 anos do “achamento” do Brasil focando a cinematografia brasileira. Aproveitando o ensejo da celebração dos 100 anos da República este ano voltamos à língua portuguesa tendo como “país convidado” Portugal. Fazemos, para celebrar os 10 anos, o festival em 10 dias recordando cada um dos países já homenageados, ao contrário dos habituais 8 dias de duração. Num primeiro bloco, de 11 a 14 de Março, faremos retrospectiva do cinema de anim

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 4 - A Última Hora de Spike Lee

É um dos filmes que mais me marcou! Pela consistência do seu tom: intenso e pungente. Imerge-nos totalmente na amargura de "Monty Brogan" (Edward Norton) nas 24 horas que precedem a sua ida para prisão. Vários elementos concorrem para esse efeito. A espectacular banda sonora do multi premiado Terence Blanchard contribui para essa carga não dando, desde o genérico inicial, qualquer trégua a quem a ouve. O casting, que Spike Lee assume vital no seu método, é, neste filme, mais um elemento enorme de credibilidade. A sexy e terna Rosario Dawson; o grande Brian Cox como pesaroso pai irlandês; o inadaptado e adolescente Seymour Hoffman; Barry Peppar como yuppie calejado e impermeável e o sempre magnético Edward Norton no papel principal, são escolhas perfeitas! Todas as personagens secundárias parecem partilhar alguma da desorientação do seu protagonista e acentuam, nos seus trémulos percursos, a precariedade emocional da situação...de não ir a lado nenhum. O tempo que se esgot

"Bobby Cassidy" de Bruno Almeida. He could have been a contender!

Bobby Cassidy é uma personagem de enorme mística que praticamente "faz o filme" tal a vivacidade das suas histórias. É um excelente e auto-reflexivo contador de histórias que remete a realizador para um papel de mero observador. A clareza da sua auto narrativa atinge o seu pico emocional numa sofrida e sincera imitação de Brando no célebre “i could have been a contender” de “Há Lodo no Cais”. É o ponto mais alto da sua lucidez, tal é a sua clareza auto-biográfica e a assunção da sua maior mágoa: nunca ter tido uma oportunidade de competir pelo título mundial de pesos médios. O filme deixa a sua personagem mostrar-se sem artifícios- o grande mérito de Bruno Almeida. O tema do “beast in me” tão presente em filmes de pugilistmo como “Raging Bull” e “Million Dollar Baby” é sempre o apelo destas personagens trágicas que lutam contra o demónio interior que infâncias e histórias de vida disfuncionais trazem. É um documentário que funciona bem dentro das suas limitadas ambições. Porq

Somos o que Gostamos

"Eu Sou o Amor" é pura sedução! Poucos filmes combinam uma análise formalmente perfeita das personagens e suas relações (de poder e conformidade) e o universo de emoções e sensações do seu protagonista. Tilda Swinton é incrível como nos convence da sua conformidade aristocrática num primeiro momento mas também como nos mostra em doses ideiais a tensão que os eventos desencadeiam: algo de primário abala o universo e a rigidez do seu papel matriarcal. Uma série associações espontâneas tornam difusa a linha entre a realidade e a projecção mental e fazem-nos mergulhar nos recantos mais obscuros da identidade mas apenas nos sugestionando, não elucidando. É a contenção de costumes tão primorosamente mostrada no primeiro terço do filme que faz voar a libertação e exaltação dos sentidos que a chegada de um novo elemento (um cozinheiro) despoleta. Da comida, à religião, às cores e odores rurais, ao apelo cru e sem artifícios de um homem...somos levados magicamente à encruzilhada exis

O Paradoxo HBO

A série "Sexo e a Cidade" já tinha algumas das pirosices que os filmes exacerbaram como o culto do status e ostentação e uma noção parola de requinte (o namorado francês de Carrie interpretado por Barishnikov é o cúmulo). Mas tinha o mérito de legitimar a sexualidade feminina descomplexada e até feroz com Samanta Jones. Quatro amigas que se juntam a falar de sexo pelo sexo, fosse romance ou chavascal...tal qual um homem! Quanto aos filmes se o primeiro era mau, este segundo é pouco demais. É um TVShop com um arremedo de enredo. A emancipação sexual é tratada de forma estúpida e desonesta e até o sexo foi suavizado para ampliar públicos-alvo com traços de "filme da família". Curioso o paradoxo que a HBO nos apresenta e que trai o seu legado: foi incubadora, na televisão, da libertação formal e uma linguagem sem compromisso - marcadamente cinematográfica - e agora dá-nos, na sua transposição para o cinema, um produto estéril e formatado - tipicamente televisivo.

Crise de Identidade

De vez em quando vou ver cinema português. Neste caso fi-lo por diversas razões: por ser o primeiro filme estreado nas salas totalmente financiado por privados e por ter tido eu próprio uma ideia de curta metragem igualzinha a este "Funeral à Chuva" - reencontro de amizades desavindas num cenário de perda e suas inerentes e espontâneas revelações/tensões. Mas...mais uma desilusão. As personagens são banalíssimas. O gay, a actriz frustrada que se dedica a concursos televisivos, o bronco, o viajante diletante, o austero professor universitário (é mesmo esta inconsequente e exagerada personagem do mórbido bimbo da Covilhã e seu absurdo arco de libertação que mais ferem de morte este filme)... Quer ser um "Amigos de Alex" à portuguesa mas o resultado é (como sempre) bem à americana. Na realidade, as convenções de género parecem-me mal assimiladas no cinema em Portugal. Obedece-lhes mas nem as consegue concretizar. Como a maior parte do que cá se faz este filme tem a sin

O Tenente sem Lei em New Orleans - para quê?

Fui ver o "Bad Lieutenant - Port of Call: New Orleans" do Werner Herzog. Grande desilusão! O filme original de Abel Ferrara, no qual este se baseou, mostrava os últimos dias de um Harvey Keitel consumido de culpa e irreversivelmente afastado de si mesmo, em espiral imparável. Já Herzog mostra um Nicolas Cage entregue à droga como fuga às suas dores de costas. A ferida de Keitel é na alma...um desassossego indizível e muito mais poderoso assim como a abordagem frenética e maneirista do primeiro fica a anos luz da negra asfixia existencial do segundo. A sucessão improvável de eventos e coincidências catastróficas parecem conduzi-lo para um fim previsível, mas uma cascata de felizes incidências o redimem para o que se percebe ser um universo narrativo alternativo. Mas nem o tom de fantasia nem o de realidade convencem neste filme. Também uma série de personagens secundárias mal exploradas como o pai e sua companheira, a sua convencional relação de identificação e perdição com

Fantasia Lusitana

Fantasia Lusitana traz-nos o choque entre dois elementos: a solenidade condescendente e eucarística da propaganda fascista e os relatos contrastantes de olhares exteriores. A alegria excepcional da Lisboa neutral da II Guerra que o regime vende e sensação de falsificação que transmitia a alguns dos seus visitantes. Esses olhares, as únicas vozes dissonantes do tom geral de elogio, são especialmente pertinentes pela mentes intelectualmente despertas e críticas que os escreveram: Erika Mann, filha de Thomas Mann; o expressionista Alfred Doblin (com locução bem significativa de Hanna Schygulla – actriz de “Berlin Alexanderplatz”, adaptação televisiva de Fassbinder do romance do escritor); e Saint Exupery. O efeito humorístico de Fantasia Lusitana começa logo no genérico “visado” de João Canijo. Mas o seu tom caricatural não é manipulado. Brota directamente da tal máquina laudatória sem limites à desonestidade intelectual que moldava opiniões naquele período. Para este efeito concorre mu

A Nuvem de Interações

Fui, para conhecer um pouco este lado do cinema, ao Lisbon Talks do Indie Lisboa. O tema: produção e comercialização de filmes independentes. É sempre bom, para alguma perda de inocência , saber como o percurso artístico de um filme se faz de uma nuvem densíssima de interacções comerciais. Percebi que artistas como Johnnie To ("Eleição") e Pablo Trapero ("Leonera") garantiram a universalidade do seu trabalho, escapando à sentença de provincianismo, pelo recurso a agentes de representação comerciais (os mais capazes, procurados como pérolas, que deixarão na parteleira treslidos milhares de guiões e apresentações). Como a vocação de um filme pode casar ou não, para seu benefício ou fracasso comercial, com a produtora ideal e que esta terá um papel vital no itinerário festivaleiro da obra e relação com os respectivos comissários de programação. A comissária do Festival de Lugano assumiu que tão importante como ver filmes (vinha de 52 visionamentos na Turquia!) era con

Indie - Impressões Pessoais

Greenberg de Noah Waumbach É a normalidade gritante das suas personagens que o indiefica . Dilemas existenciais, bloqueios emocionais...tudo variáveis dramáticas mais que vistas. São questões que, por serem batidas e tratadas sem brilho ou artifício, dão ao filme o seu tom melancolicamente cómico. Mas algo lhe falta para que ultrapasse um mero exercício activista de um estilo alternativo. Masterclass com Heddy Honningman Senhora super humana e emocional que retrata o amor em todas as suas formas. É uma obra de fidelidades a sua: entre seres humanos; e ao cinema. Chegou mesmo a ganhar um "persistence of vision award" lembrou. Ela fala de um amor ao cinema e à obra que se sente, na sua presença ou ausência, até num filme violento de Scorsese. Adorei conhecer a senhora e fico ansioso por ver o seu "Undergroung Orchestra", um documentário sobre os artistas de rua no metro de Paris Eamon O meu filme preferido do Festival atá agora. O dano colateral de frustrações pessoa

A Hipnose do Cinema

Fui à mostra de cinema documental de Lisboa "Panorama" este sábado! Vi dois filmes seguidos, ambos com a temática do ultramar. O alcance, esse, altamente desigual. O primeiro, "Apoteose" de António Borges Correia, acompanha o reencontro de veteranos de guerra com seu peso e fantasmas. Mune-se de todo o tipo de artifícios: desde vozes sobrepostas que sugerem a paranóia e stress pós-guerra à absurda encenação final de guerra, os freezes da imagem sem critério nem impacto, enfim...formas desgarradas de espremer ao limite a sua envolvência. O segundo, " 48 " de Susana de Sousa Dias (vencedor do "Cinéma du Réel" este ano), reune um conjunto de fotografias de cadastro de prisioneiros políticos e das suas vozes,traçando um fortíssimo retrato dos 48 anos de ditadura em Portugal. Tem um raríssimo ingrediente de duplo vanguardismo: faz-nos enfrentar a realidade da tortura e do tabu fascista num país que muito pouco se massa em repisar tão negro episódio

Consultórios de Deus

“Consultórios de Deus” é uma visita quase documental a um gabinete de planeamento familiar com inerentes dramas e dificuldades. A realizadora Claire Simon assume com clareza a sua dimensão realista mas, nem por isso, neutra. É documental no sentido em que a câmara assume a observação passiva e sem artifícios. Mas é uma visão engajada na medida em que mostra sem cedências a mulher como o elo mais fraco de uma cadeia de vastos problemas: disfunção familiar; constrangimentos étnicos; desequilíbrio entre géneros; preconceitos culturais… Casos e “pessoas reais” convivem neste filme com a participação de actrizes profissionais e reputadas como Anne Alvaro (vimo-la em “O Gosto dos Outros” de Agnes Jaoui). O filme ganha assim maior peso e inteligibilidade. É filmada friamente a rotina do consultório mas abordados de forma sistemática e abrangente seus temas para aumentar o seu alcance pedagógico. É importante mostrar as histórias pessoais e emocionais por trás das estatísticas. É particularmen

Suecamos Titanic no CinAlfama!!!

Participei, no CinAlfama, na "suecagem" do Titanic. E foi o regabofe. Perguntam vocês: "suecagem?!"... Tudo começou com o delicioso filme de Michel Gondry "Be Kind and Rewind". Recomendo vivamente que o vejam. É simples, hilariante e comovente. Dois jovens que desmagnetizam todas as cassetes de um video clube do qual ficaram temporariamente encarregue de cuidar decidem, aflitos, não desiludir os clientes fazendo versões artesanais dos filmes requeridos que supostamente por virem da Suécia seriam mais caros - são filmes Suecados. Resultado: a criação de um culto local em que as ditas fitas "sweded" voam como nunca. Tudo isto num cenário de declínio de um verdadeiro espírito comunitário em torno do cinema. O que estes dois conseguem é, na pequena localidade de "Passaic - New Jersey", abanar o pessimismo e criar sinergias nunca vistas desde que a lenda de Jazz "Fats Waller" por ali fazia história! O filme casa na perfeição com o

Cinema Português Entricheirado

Li com interesse a recente polémica António Pedro Vasconcelos (APV)/Vasco Câmara (VC). O Primeiro luta contra o imperialismo do cinema de autor no financiamento da produção nacional e uma crítica autista e pretensiosa. O segundo respondeu arrasando qualquer mérito ao pretenso filme comercial de qualidade "A Bela e o Paparazzo". De um lado temos a apologia feroz de um espírito comercial descomplexado no cinema português. Levar o cinema para além da subsídio-dependência é sem dúvida um imperativo quando as taxas de consumo de produto nacional são quase recorde negativo absoluto na Europa. Mas APV, como outros, entrincheira-se no na defesa absolutista da inteligibilidade e linearidade narrativa: filmes para o público (diz, a este propósito, ele que adorava Godard até ao momento em que se assumiu em todo o seu insuportável experimentalismo). Há em Portugal gente ávida de chegar finalmente às massas com mensagem e conteúdo. Mas os resultados traduzem ainda uma clara crise de iden

Nas Nuvens - Nascemos e Morremos Sozinhos

Fui ver o "Nas Nuvens" e fiquei deliciado! O filme debruça-se sobre o real/virtual das ligações humanas. O protagonista tem como profissão a espinhosa tarefa de comunicar habilmente despedimentos, suavizando a rutura e reduzindo gastos legais à empresa empregadora. Leva uma vida itinerante. Com ele (como no filme) o efémero é rei. A sua tarefa assim o exige: viver sem o fardo dos laços nem âncoras. Numa cena notável, é com a distância acrescida de um despedimento via video-conferência que Clooney e a sua imatura estagiária mais se apercebem da angústia e fragilidade que a sua acção desencadeia. Como se na virtualidade tivessem um lampejo de realidade...de tão primárias são as emoções retratadas. De resto o filme é também um retrato cínico das virtudes das estratégias de motivação empresarial que querendo envolver, alienam. É um tema com um forte eco no pós sub-prime em que vivemos! As interações que a personagem principal estabelece com as personagens secundárias (bem vincada

Moore Assume-se Guerrilheiro

“Capitalismo, uma história de amor” é, juntamente com “Larry and Me”, o filme mais honesto de Michael Moore. O realizador assume, desta vez, sem pudor o seu engajamento ao invés do papel de falso jornalista. A fronteira da propaganda satírica e informação é bem mais clara do que em Farenheit 9/11, por exemplo. É igualmente o seu filme mais pessoal. Fala com o seu pai e recorda a sua vivência no cenário pós-industrial de Flynt Michigan. O tema é o mesmo que explorou no seu filme inaugural que agora recupera: o declínio e indignidade do trabalho que o desiquilíbrio desregulado forças significou. O liberalismo fundamentalista como inibidor democrático é uma tese que dificilmente deixamos de aderir qualquer que seja a ideologia. E assim a credibilidade da tese que nos traz se aguenta bem melhor do que noutros dos seus filmes. A forma como Moore doseia documento com showbizz é, por vezes, perversa. Não perde legitimidade por isso. Mas as doses massivas de ironia com que o faz intoxicam, por

Copolla no Estoril

Conferência de Imprensa Copolla diz que Tetro é o seu filme mais pessoal. Mas embora as afinidades com a sua vida pessoal e as gerações de criativos que a sua família seja evidente não assumiu ser autobiográfico. Ao contrário da dinâmica familiar de Tetro, na sua família sempre se encorajou a veia artística e a individualidade diz. A família de Tetro, por sua vez, é cruel e castradora. O realizador assumiu ter corrido um risco comercial com a opção das duas línguas e do preto e branco (tal como o inglês e o italiano coexistiam no Padrinho). Gosta da voz do actor na sua língua original. Os americanos são algo intolerantes com as legendas mas algo já mudou a esse respeito na nova geração. Veja-se Crouching Tiger e o sucesso retumbante que teve. Teve também que enfrentar reservas em relação à excentricidade de Vincent Gallo e eventuais dificuldades na colaboração. Entre as suas reputadas excentricidade sabe que vendeu o seu esperma por um milhão de dólares no seu site. Mas tudo correu de

Juliette & Eu

Tinha 15 anos. Num típico isolamento adolescente fui para o quarto ver televisão num sábado à noite enquanto a família estava na sala. Na era do monopólio público da televisão as opções eram escassas. Na Tv2 começava a rubrica “O Filme da Minha Vida”. A convidada da noite era a Catarina Portas. Apresentava “Les Amants du Pont Neuf” (1991) uma paixão que contraiu numa sua estadia em Paris. Lembro-me perfeitamente do efeito que teve sobre mim. Começava negro, com personagens marginais num típico clima existencialista do cinema francês. Naquela noite, tive o primeiro sentido de humanismo e sentido crítico ao ver televisão. Podem achar exagerado, mas foi uma experiência de crescimento. Era um adolescente reservado, taciturno e algo solitário. Foi nos filmes que me senti em comunhão com outras pessoas. As primeiras viagens à minha consciência e densidade fizeram-se com filmes e Binoche teve um papel quase inaugural nesse despertar. No meio de todo a miséria humana e disfunção emocional dos

"Um Profeta" de Jacques Audiard - Filme Assombroso!

Filme assombroso este "Um Profeta"! Combina na perfeição o rigor sociológico com que compõe as suas personagens, a coerente análise da política e esquema de poder que os constrange e a poesia da experiência humana do seu protagonista. É espantosamente credível como o desespero e angústia de ElDjebena (o protagonista) se converte, com as brutais lições de nihilismo a que é sujeito, em táctica e leitura arguta das rachas do sistema. O indivíduo ressocializado e identitariamente massacrado obedece na prisão a uma lógica empedernida de sobrevivência. Mas o nosso anti-herói fá-lo egoisticamente a solo, fungindo ou manipulando as lógicas do jogo(grupo) por perceber a lógica falsamente solidária e implacável que as define (corporizada no arrepiante líder corso Cesar Luciani, magneticamente representado por Niels Arestrup). Tudo isto retratado com uma comovente honestidade! Tem cenas que ficam para a história...o tiroteio em slow motion no confinado espaço de um carro, a atropelament