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A mostrar mensagens de 2008

Uma História de Violência - Tentação Criminológica

Do paradigma freudiano ao modelo bio-médico e à reflexão sociológica, algumas afinidades conceptuais emergem na teoria da violência: autoridade e conformidade e desvio, identidade… Contudo, o filme “Uma História de Violência” não tenta uma abordagem genética da violência nem se arroga de qualquer polemização criminológica. Fosse essa a intenção e a análise de background e a flashbacks contextuais seriam recursos impreteríveis. O primeiro terço do filme dá-nos mitologia harmónica da ruralidade, uma conformidade às normas frugal e semi-western. O retrato de harmonia reproduz-se no ambiente familiar com uma definição clara de papeis – potenciado pelo minimalismo positivo do registo musical. O incidente central e respectivas consequências remetem-nos para uma análise do universo identitário da personagem. O tema recentra-se então numa busca pessoal – a preservação do sentido atribuído à auto-noção da personagem e a todo o inerente processo de construção das suas referências de conformida

Zidane - Um Retrato do Século XXI

Tão antiga quanto a humanidade é a necessidade de dar sentido ao real. Dramatizamos uma série de eventos impessoais empregando o exagero, ironia, inversão: ferramentas dramaturgicas que lhes conferem significado emocional. É assim numa banal descrição meteorológica como numa narração futebolística. Ela é mitológica e provida de princípio/meio/fim. A descontextualização espacio-temporal que o filme nos oferece é uma atitude: a negação dos artifícios do drama que torna o futebol um produto inteligível, logo consumível. O filme sugere, através de citações do próprio atleta, que a memória é fragmentária e frágil. Ora é nessa fragilidade que assenta o monstro mediático – e toda a produção, dramatizada, de significados e concepções mitológicas do desporto. Acelerando a sucessão de "princípio/meio/fim´s" fazem das recordações espuma. Uma, logo outra e mais outra. Poder-se-ia sugerir que o objectivo do filme seria igualmente bem cumprido com uma montagem de meia-hora sem nos sujeita

Dupla Face da Lei - Lendas Vivas?

Algo se passou com Al Pacino. Quem o viu com admiração a transformar-se no zombie Corleone e sua expressão gélida e vazia já não suporta o histriónico e sobrevalorizado actor em que se transformou nas últimas décadas (não estranha que tenha tido no fraco “Perfume de Mulher” o típico Óscar fora de tempo). Também De Niro se entregou a um sem número de papeis planos. Este estado de economia artística a que chegaram tem em “A Dupla Face da Lei” o seu clímax e fica provado que a um argumento idiota e estereotipado nenhuma lenda viva pode acorrer e salvar. O filme explora a temática dos limites morais do polícia com os instrumentos míticos fetiche: o capitão cauteloso e castrador; os internal affairs metediços e burocratas e o obrigatório psiquiatra de serviço. A deriva moral e justiceira do bom polícia é muito mal fundamentada e é um dos pormenores (porventura o mais grosseiro) que mais fere de morte a credibilidade de toda a trama. Até os diálogos e a troca de bitaites espirituosa e vernac

Stephen Frears - O Artesão

Estive no Festival de Cinema do Estoril com Stephen Frears. Digo “estar com” porque ser essa a sensação que transmite: acessível; modesto e auto-irónico. Preocupou-se em se destituir de uma mágica intuição. Tem um metier que aperfeiçoou que tenta cumprir com rigor e respeito pelas regras. Evocando o Studio System e a preponderância que produtores assumiam no resultado fílmico final assumiu que nenhum dos seus projectos foi pensado de raiz por si. Sempre baseou a escolha em propostas concretas e leituras de guiões. Assumiu alguma “magia” (entenda-se intuição) em fases como esse momento de decisão pessoal na escolha de projectos; apresentou também a colaboração técnica como um processo não pensado ao milímetro, o enquadramento é decidido no próprio dia num diálogo técnico multidisciplinar que faz do realizador a síntese e não o capataz artístico num processo em que a espontaneidade criativa tem papel de relevo. Mas abordado por um casal de apaixonados noivos que lhe agradeceram a oportun

4 Noites com Ana – A Solidão…incomunicável.

O filme retrata a história de um funcionário de um crematório que cultiva um fascínio voyeurístico por uma enfermeira que vive à sua frente. Trata-se de um fascínio algo infantil e sem malícia mas obsceno na sua forma. Nesta contradição de tom está a riqueza desta obra. O realizador dizia em entrevista que havia no filme uma ambiguidade moral: que se ao mesmo tempo vemos como condenável a intrusão na intimidade de Ana também compreendemos a solidão e motivos emocionais do protagonista. Eu não vi essa equidistância moral. O tom trágico e o centro exclusivo da narrativa no mesmo e o retrato de austeridade e crueldade da punição levam-nos claramente para o lado de Okrasa. A este olhar libertário não é alheio creio, o percurso de dissidência e exílio políticos do realizador Jerzy Skolimowski na reprimida Polónia comunista em que estudou Belas Artes. Mas este não é uma limitação do filme mas antes a sua grande virtude. Vivemos por dentro a solidão do homem, as suas obsessões. Num cenário de

Paris

O filme evoca Paris recorrendo aos dois pesos pesados do cinema francês (os que mais exigem e que mais rendem). Fá-lo com a pretensão de a problematizar: indefinida entre a sua história e a modernidade. Mas essa pretensão esbarra nas suas personagens: banais e pouquíssimo exploradas (o que não é, de todo, sacrilégio da sua estrutura em mosaico). Tal como Babel, Paris é um “filme-postal” que se perde irremediavelmente na sua desmesurada ambição ensaística. Pode ler o artigo na íntegra em http://www.take.com.pt/ (edição de Novembro de 2008)

Divorce: Albanian Style

Fui ver ontem este filme do Doc Lisboa. A minha primeira escolha foi o badalado "A Turma - Entre les Mures", mas fui tarde demais. Só posso dizer que fiquei bastante preenchido por um documentário bastante original. Narra a história de 3 histórias de amor, em que 3 homens escolheram esposas estrangeiras, abruptamente interrompidas pela paranóica ditadura marxista de Enver Hoxa. No filme o "amor" pode ser uma força inabalável e redentora mas também pode não chegar. Realismo e lirismo combinam aqui muito bem. Não há um final uplifiting e redentor. A união de um dos casais resiste ao exílio; já outra das relações se converte em repúdio violento... O filme resiste (quase sempre) à tentação óbvia da sensacionalização que o tema do amor vs opressão clama. Também a duração (66') assenta bem no que o filme quer transmitir. Não sendo um documentário político também não é uma análise micro e pessoal: é uma pincelada emocional muito bem enquadrada sem ambições desmedidas e

I'm Not There - Todd Haynes - Soberbo!!

Jude Quin (a soberba Cate Blanchet) diz a certa altura que “as pessoas que distinguem o bem do mal estão, geralmente presas em cenas”. É esta a premissa dramática do filme na minha opinião. Só as ideias resistem ao desgaste da natureza e estas são, contudo, incomunicáveis...não são dramatizáveis. A canção de intervenção perde assim o seu propósito. Não mobiliza nem move vontades. As pessoas estão numa luta constante contra prescrições de vida acabando por cair contraditoriamente num “certain way of life”. Assim a viagem (vida) perde o seu móbil de auto-descoberta. “De manhã à noite sou diferentes pessoas” – like a rolling stone. A vida e a sinuosa, mas não incoerente, carreira musical de Dylan são, por este motivo, o pretexto ideal para um mosaico de alter-egos que não chega a ser concreto mas que preserva camadas de interpretação e de poesia estética. O filme é puro deleite visual. As camadas de abstracção reflectem-se na alterações de fotografia e na montagem alternada que torna difí

Cohen falam sobre No Country for Old Men

Os dois Senhores falam sobre a estrutura da história, suas personagens e opções de realização, em particular das escolhas no processo de adaptação do romance de Corman Mccarthy. Podem fazer o download do guião completo desta obra-prima em http://www.miramaxhighlights.com/pdfs/No%20Country%20for%20Old%20Men.pdf

The Lovebirds até Domingo!

O filme The Lovebirds estreou esta semana nos cinemas El Corte Inglês e Alvalaxia. Trata-se de uma micro-produção realizada por Bruno Almeida e que contou, na sua construção, com a carolice de muitos: actores (entre os quais os habituais Sopranos Michael Imperioli e John Ventimiglia) e produtoras. É, portanto, um raro projecto de convicção pessoal com todos os riscos comerciais que tal acarreta. Contudo, se não tiver contabilizado 1500 espectadores até o próximo domingo será imediatamente retirado de cartaz! Cito e partilho o apelo do realizador: "sim...é assim tão frio! São os tempos que vivemos...as leis do mercado.(...) se conseguirmos uma segunda semana o boca-a-boca já se espalha e o filme terá hipóteses de existir num mercado onde quase tudo são filmes de Hollywood. Apoiem o nosso cinema. Espalhem a notícia, digam aos amigos, levem a família. Conto convosco!"

Irmãos, Mentiras e Mentiras

Brotherhood (ou A Irmandade) retrata o limbo pernicioso em que vive uma família num bairro étnico irlandês nos arredores de Rhode Island – The Hill. No centro da trama está a relação amor-ódio entre dois irmãos em lados opostos da lei mas unidos, sobretudo, pelas obrigações familiares. Que é como quem diz por uma mãe controladora com quem já tive pesadelos (podia ser minha sogra, não brinquem). A profundidade das personagens é tal que é frequente sentirmos que as acções do ganster Michael são mais próximas da justiça do que as do político de vão de escada Tommy. O espectador não é aliás, o único a ser arrebatado pela compaixão pelo ganster. Rose tem uma preferência visceral (aliás, tudo nela é visceral) pelo filho mais velho. Também o policia e amigo Declan vive dilacerado entre o charme da fidelidade ao ganster e as suas obrigações profissionais. Michael vende droga, extorque dinheiro, corta orelhas mas dentro de um quadro de honra e de fidelidade que não se verifica na City Hall onde

The Wire ou Sopranos

Pode ser académica a questão "qual das duas a melhor?". Na minha opinião são, de facto, duas das melhores séries jamais televisionadas. Mas do debate poderão sempre sair reflexões interessantes. Ambas surgem na onda de excentricidade e quebra de convenções narrativas cujo principal agente promotor foi a HBO: Nos Sopranos a reprodução estereotipada da mitologia mafiosa italo-americana colide com uma "paisagem" desencantada e pós-moderna. Os super-batidos maneirismos dos mafiosos parecem não casar bem com a profunda análise psico-social a que são sujeitos ao longo da série. No The Wire é-nos negado qualquer tipo de glamour usualmente associado à séries policiais. Os polícias vêm-se confrontados com orçamentos limitados, entraves burocráticos e um quotidiano arrastado assim como os dealers que têm equipas de distribuição altamente heterogéneas e vulneráveis. Na minha opinião têm ambições diferentes. Se no the Wire é exaustivo e altamente profundo o conhecimento que

Benvindos!

Acabei de criar este Blog. Nele quero falar de tudo o que possa, directa ou remotamente, ter a ver com Cinema e Guionismo. Novidades para Breve JGomes