Avançar para o conteúdo principal

Fantasia Lusitana



Fantasia Lusitana traz-nos o choque entre dois elementos: a solenidade condescendente e eucarística da propaganda fascista e os relatos contrastantes de olhares exteriores. A alegria excepcional da Lisboa neutral da II Guerra que o regime vende e sensação de falsificação que transmitia a alguns dos seus visitantes.
Esses olhares, as únicas vozes dissonantes do tom geral de elogio, são especialmente pertinentes pela mentes intelectualmente despertas e críticas que os escreveram: Erika Mann, filha de Thomas Mann; o expressionista Alfred Doblin (com locução bem significativa de Hanna Schygulla – actriz de “Berlin Alexanderplatz”, adaptação televisiva de Fassbinder do romance do escritor); e Saint Exupery.

O efeito humorístico de Fantasia Lusitana começa logo no genérico “visado” de João Canijo. Mas o seu tom caricatural não é manipulado. Brota directamente da tal máquina laudatória sem limites à desonestidade intelectual que moldava opiniões naquele período.
Para este efeito concorre muito a sua sistematização documental coerente . A recolha de arquivo é altamente ambiciosa, patente na vasta lista de fontes no genérico final. Trabalhar com material tão imenso foi, seguramente uma árdua tarefa de articulação de peças. Bem sucedido sem dúvida.

Visto com um prisma quase à “Attenborough”...parece dizer “vejam o que isto era..pensem no que ainda ficou”. A escolha do período em análise (II Guerra Mundial) não é, de resto, acidental. Existe uma ligação óbvia ao idílio do Portugal neutral ao país actual que, atarantado, percebe o quão aberto (e logo exposto) está ao mundo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 5 - Um Homem Singular

Neste soberbo filme um requintado formalismo, próprio de um fotógrafo/estilista, encontra-se com uma rara humanidade e profundidade da história e das personagens. Há "quadros" absolutamente maravilhosos, um festim sensorial, mas também momentos de pura intuição e sensibilidade. É essa sensibilidade que faz que o exercício estilístico não se sobreponha à pungente magia do seu drama. A subtileza que nos enleia com perfeição (na música e na fotografia, por exemplo) num dia de terminal angústia...a mesma subtileza que eleva Colin Firth a uma interpretação histórica, perfeita! Subtileza que Hollywood detesta: um ano depois premiaram-no pelos seus maneirismos, sempre ao gosto do tio Óscar, no anódino "Discurso do Rei"... É um filme extraordinário ao qual voltarei muitas vezes no futuro!