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A mostrar mensagens de 2012

Da Pseudo-Intelectualidade Cinematográfica

É por vezes irritante que tudo o que não se compreenda seja classificado defensivamente de pseudo-intelectual. Negar a vastidão e complexidade da arte do cinema é próprio de quem na realidade nunca quis (com toda a legitimidade) aprofundar a sua relação com ele. É, por exemplo, por ser um médium de imagens de familiaridade directa que muitos rejeitam linguagens alternativas ou têm tolerância limitada a ambiguidades. É uma espécie de uma espécie de deformação realista do cinema que leva a que muitos classifiquem de “armado ao pingarelho” tudo o que suscite abstração e reflexão. Algo muito próprio da lógica simples e imediata da era de hegemonia televisiva em que vivemos. Mas isto não significa que a pseudo-intelectualidade não exista. Mas é um conceito subjectivo. Ela existe quando, por exemplo, um filme se tece inteiramente de citações e intertextualidades que excluem da sua leitura a esmagadora maioria dos espectadores e o faz sem um critério pessoal coerente. Sobretudo quando uma

Notas Soltas nº 2

Les Adieux à La Reine (2012) , Benoît Jacquot– Fiquei com a sensação de nunca ter mergulhado no filme e sua atmosfera. Poderia ser o meu preconceito em relação a dramas históricos a falar mas não é claramente só isso. A escolha da “Maria Antonieta”, por exemplo, foi claramente um tiro ao lado e a subjectividade da leitora da rainha é marcada sem qualquer tipo de subtileza pela câmera e com uma inflação insuportável de premonições sobre o seu trágico destino.   Monterey Pop Festival (1968) , D.A. Pennebaker– Nunca vi rocumentário com tão arrepiantes actuações. Otis Redding é em particular potente. Dois anos antes de auge hippie de Woodstock e três anos antes do seu estertor em “Gimme Shelter” era esta o percursor do casamento do cinema directo com contracultura dos anos 60. Ainda ingénuo e bonito por isso.   Shermans March (1986) , Ross MacElwee– Muitas vezes o documentário pessoal resvala para o narcisismo inconsequente. Neste filme esse risco era acrescido com o

Cenas da Minha Vida nº 5 - Final do "The Conversation", de Francis Ford Coppola

Os amigos mais próximos enfadam-se quando trago à baila este filme. São centenas as ocasiões que o cito.  Gene Hackman como nunca mais o vimos. Longe da sua persona de aço e invulnerabilidade. É espectacular a consistência dos sinais que, por exemplo, a sua expressão corporal tolhida nos transmite. É um homem bloqueado. A história de um vigilante que se torna o vigiado. A cena leva-nos ao auge da sua paranóia. Até o seu eterno refúgio, o saxofone, lhe nega qualquer chance de paz. São 7 minutos de decomposição: do espaço físico e do espaço mental em que habita. Tudo filmado com uma precisão milimétrica e embalado por uma poderosa hipnose musical. É genial o piscar de olho à câmara de vigilância que é o seu plano final - em pleno rescaldo do Watergate. Que guardemos do gordinho, hoje um vitivinicultor a tempo inteiro e realizador nas horas vagas, o que de melhor ele fez. E este é simplesmente um dos melhores filmes da história do cinema.

Alguns dos filmes da minha vida nº 6 - Adaptation de Spike Jonze

No filme “Adaptation” de Spike Jonze o protagonista guionista tenta adaptar para cinema uma obra altamente livre e descritiva (literária) sobre orquídeas. Acaba, contudo, por bloquear na sua labiríntica neurose. No auge da sua confusão, é o próprio Charlie Kaufman, o real guionista do filme, que se mete a si próprio no enredo. É na evocação da orquídea e da sua desarmante e primária beleza que está a verdadeira dimensão do que está verdadeiramente em jogo: de que Charlie no meio da sua desorientação está fascinado com algo natural e primário que transcende a sua existência torturada. Numa determinada cena Charlie Kaufman, a conselho do seu pragmático e descomplexado irmão gémeo, recorre finalmente ao guru formulaico do guionismo Robert Mckee tentando encontrar respostas concretas para a sua demanda. Para ele a vida, torturada como ele a sente, não cabe nas estruturas de um drama e que nela tudo, ao contrário do drama, permanece irresolvido. Robert Mckee diz-lhe enfurecido q

Cenas da Minha Vida nº 4 - Cena final de "The Unforgiven", de Clint Eastwood

É um final de cortar à faca! Clint olhava para todo o seu historial de leviana representação de violência e desconstruia qualquer noção de moralidade com um dos mais marcantes anti-heróis da história do cinema. Não é qualquer setentão que consegue ter a frescura de se re-equacionar desta forma! Nesta cena é a força do mito que "desvia" as balas e tolhe a reacção dos pistoleiros. É o mundo místico do Far-West que é posto em jogo e que abriu caminho ao revisionismo do género que nos deu muitos outros filmes de qualidade desigual (destacava o grande "Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford"). Este filme lançou-me numa admiração quase idólatra do realizador que só viria a terminar em anos recentes quando o filão temático da auto-crítica se esgotou irreversivelmente. Uma das cenas e um dos filmes da minha vida.

Notas Soltas

Passarei a compilar nesta página pequenas mas (espero) significativas notas sobre os filmes que vou vendo. Janeiro de 2012 Martha Marcy May Marlene (Sean Durkin, 2011) Excelente a forma como os flashbacks se diluem e presentificam com raccords simples e bonitos. É super bem sucedida a intenção de criar um todo orgânico tecido no passado e no presente. Evita a tentação virtuosa (artificiosa) das convenções do indie. A frieza analítica combina-se na perfeição com um outro tom mais quente e melodramático. Fotografia coerente e rigorosa, sem exageros. Uma Separação (Asghar Farhadi, 2011) Os ciclos de atenção de um filme no cinema decrescem ano após ano. É a era dos teasers, da câmara nervosa e da pós-produção vibrante. Este ritmo publicitário que luta sem tréguas para captar a atenção do espectador choca-me. Mas enquanto existirem filmes como este, está tudo bem:). É a sua coerência, humanidade e integridade que nos conquista e fazem deste um grande filme! Não há truques que substituam ess

As Barricadas do Cinema em Portugal

"Num Mundo Melhor", da dinamarquesa Susanne Bier No cinema portuguÊs criaram-se barricadas. O texto publicado no Y esta semana, sobre a política de cinema na Dinamarca, poderia ajudar a descompartimentar opiniões. http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=298997 Deixo a minha opinião, relativizando as tais duas barricadas: 1)Cinema sem financiamento público (chamem-lhe subsídios ou o que quiserem) seria uma catástrofe cultural. Não é apenas por conformismo que se subsidia o cinema. É por ser uma actividade de investimento intensivo e cuja escala do nosso mercado torna potencialmente deficitária. Apelar ao amor à arte e amadorismo diletante da malta do cinema não é solução! É uma actividade muito complexa e cujas qualidades são apuradas durante um longo percurso que tem que ser profissional para ser consequente. Ter apenas cinema dito comercial não é também suportável porque anularia seguramente a pluralidade criativa