Avançar para o conteúdo principal

Moore Assume-se Guerrilheiro



“Capitalismo, uma história de amor” é, juntamente com “Larry and Me”, o filme mais honesto de Michael Moore. O realizador assume, desta vez, sem pudor o seu engajamento ao invés do papel de falso jornalista. A fronteira da propaganda satírica e informação é bem mais clara do que em Farenheit 9/11, por exemplo.
É igualmente o seu filme mais pessoal. Fala com o seu pai e recorda a sua vivência no cenário pós-industrial de Flynt Michigan. O tema é o mesmo que explorou no seu filme inaugural que agora recupera: o declínio e indignidade do trabalho que o desiquilíbrio desregulado forças significou. O liberalismo fundamentalista como inibidor democrático é uma tese que dificilmente deixamos de aderir qualquer que seja a ideologia. E assim a credibilidade da tese que nos traz se aguenta bem melhor do que noutros dos seus filmes.
A forma como Moore doseia documento com showbizz é, por vezes, perversa. Não perde legitimidade por isso. Mas as doses massivas de ironia com que o faz intoxicam, por vezes, o esforço de sistematização e recolha de imagens (no qual é mestre) sobre as quais a sua narrativa se constrói.
Mas Moore quer chegar às massas. Nunca o escondeu. Incluir o clero no rol de anti-capitalistas mostra bem a preocupação constante que Michael Moore tem em adequar o produto final ao maior mercado possível. Utiliza, para esse fim, a legitimidade religiosa que tanto questiona...mas os fins justificam sempre os meios quando a lógica é de guerrilha.
Não é um documentarista no sentido objectivo do termo. É assumidamente panfletário no seu simplismo. Tal como em “Sicko” insiste na redutora oposição EUA selvajaria liberal Vs. Europa cenário solidário e justo. BPN's e afins mostram-nos diariamente quão vulnerável é o poder político ao económico...lá como cá.
Também neste filme assume a habitual pose narcisista, rebelde e libertadora (como a cena eficaz da selagem policial de Wall Street) mas fá-lo com mais parcimónia. Até na informação e recolha factual vai algo mais longe (na explicação sobre hedge funds, por exemplo).
A eleição de Barack Obama é o mote de mudança e mensagem de esperança com que o filme e suas mensagens se concretizam (foi, de resto, a eleição do mesmo que guiou Moore na decisão do tema do filme). Um novo rumo, neste caso na condução de política económica e financeira dos EUA. É Moore e seu maniqueismo metódico: vemos os dois primeiros terços do filme (pré-Obama) como a era das trevas e o final como uma nova alvorada. Mas...de algum modo, neste filme o simplismo perdoa-se tal é a força do que nos mostra.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 5 - Um Homem Singular

Neste soberbo filme um requintado formalismo, próprio de um fotógrafo/estilista, encontra-se com uma rara humanidade e profundidade da história e das personagens. Há "quadros" absolutamente maravilhosos, um festim sensorial, mas também momentos de pura intuição e sensibilidade. É essa sensibilidade que faz que o exercício estilístico não se sobreponha à pungente magia do seu drama. A subtileza que nos enleia com perfeição (na música e na fotografia, por exemplo) num dia de terminal angústia...a mesma subtileza que eleva Colin Firth a uma interpretação histórica, perfeita! Subtileza que Hollywood detesta: um ano depois premiaram-no pelos seus maneirismos, sempre ao gosto do tio Óscar, no anódino "Discurso do Rei"... É um filme extraordinário ao qual voltarei muitas vezes no futuro!