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Convidado de Honra nº 6 - Fernando Galrito, programador do "Monstra"


Entrevistei para a revista "Take" Fernado Galrito, programador do festival de cinema de animação "Monstra 2010", sobre o evento deste ano, que se passou de 11 a 21 de Março. Aprendi imenso sobre uma efervescente área do cinema para a qual não estou propriamente vocacionado.

Começava por lhe pedir um enquadramento desta edição do Monstra.

Dois ou três aspectos marcam esta edição. O Monstra faz 10 anos de idade. Foi o primeiro festival da cidade. Todos os anos pomos enfoque numa cinematografia convidada. Quando nascemos invocamos os 500 anos do “achamento” do Brasil focando a cinematografia brasileira. Aproveitando o ensejo da celebração dos 100 anos da República este ano voltamos à língua portuguesa tendo como “país convidado” Portugal.

Fazemos, para celebrar os 10 anos, o festival em 10 dias recordando cada um dos países já homenageados, ao contrário dos habituais 8 dias de duração.

Num primeiro bloco, de 11 a 14 de Março, faremos retrospectiva do cinema de animação português. Olhando os incontornáveis e homenageando intervenientes de referência como Vasco Granja e o António Gaia do Festival Cinanima, ambos pelo papel de relevo na divulgação da animação portuguesa. As homenagens irão além da óptica de realização: uma homenagem às mulheres na animação lusitana, aos músicos, aos argumentistas…

Este Monstra terá, depois, em competição filmes de 36 nacionalidades e será pontuado por vários convidados de excelência com destaque para Norman Roger o mais oscarizado músico da história que fará master class e Wilson Nazareti fundador do mais antigo núcleo de animação do mundo cuja actividade está virada para as crianças em Campinas.

Fale-me um pouco das origens deste festival. Que motivações e circunstâncias o fundaram?

Tem história sui generis. Nasce do encontro de 3 pessoas: o Rui Viana, pintor e escultor; O Paulo, antropólogo e eu um cineasta com tendência para o cinema de animação. Encontramo-nos em 1998 e montámos uma peça para uma bienal de Silveira que congregasse estes 3 diferentes olhares. Determinados a não ficar por ali na nossa colaboração criamos a Fundação Expresso Oriente. Já existia o Cinanima mas faltava em Lisboa um núcleo forte de divulgação de cinema de animação. Na altura conhecemos a Mónica Almeida que era a directora do Teatro Taborda e juntou-se a nós para no ano 2000, integrado nas Festas de Lisboa, fazermos a primeira edição do festival. Desde a sua origem pugnamos por ser um evento de ideias.

Nestes 10 anos descreva a evolução. Dificuldades e Sucessos:

Dificuldades…10 anos volvidos ainda somos um festival de franjas e somos algo incompreendidos. Temos pela primeira vez um apoio do ICA de 15.000€…mas, apesar disto, nunca fomos um evento de salas que pudesse corresponder aos critérios quantitativos inerentes a esses apoios. Temos todo um trabalho didáctico e de acção nas escolas que não é quantificável e, logo, nem sempre valorizado publicamente. Este apoio é cerca de um décimo do que a generalidade dos festivais lisboetas beneficia. Também com EGEAC, nosso parceiro de sempre, se pode falar de alguma incompreensão que aumentando apoios à generalidade dos festivais manteve inalterado o nosso.

Do ponto de vista positivo…acho que há mais pessoas a ver animação em Portugal (não só mas) também por causa do Monstra. No primeiro ano tivemos a assistir cerca de 1500 espectadores, no ano passado já tivemos 15.000. O crescimento tem sido contínuo e sustentado. Acho que trouxemos novos cruzamentos e olhares como a relação da animação com a dança, teatro, arquitectura…

E como vê a evolução do Monstra na progressão geral dos festivais de cinema em Lisboa?

Somos do 8 e do 80, antes tínhamos pouco e se calhar já temos demais. Mas temos de facto um panorama muito interessante. Há inclusivecase studies como o Indie que abarcando aspectos cinematográficos mais experimentais consegue ter o enorme público que tem. Se, na realidade, a criação do Monstra poderá ter puxado pela criação de mais eventos também é verdade que terá tido como alavanca casos de sucesso como o Doc Lisboa mais do que, na verdade, terá o próprio Monstra contribuído para os mesmos.

Bebemos sem complexos ideias de outros festivais como penso que o Monstra terá igualmente influenciado com ideias e diferentes abordagens.

Perspectivas futuras? Para onde vai o Monstra?

Vai sobretudo centrar-se na disseminação do cinema de animação junto dos públicos infanto-juvenis tanto pela projecção de filmes como pela formação e envolvimento dos jovens no próprio festival.

Qual é o perfil do vosso público?

O nosso público é altamente heterogéneo embora essencialmente juvenil e ligado sobretudo ao mundo artístico e às escolas de arte. De resto é o público no qual apostaremos no futuro para ajudar a aguçar um certo olhar sobre o mundo.

Ganhar pessoas de outras linguagens artísticas é objectivo omnipresente e que está ligado à própria raiz multidisciplinar do festival.

Qual é a raiz do fascínio da animação em públicos de todas as idades e proveniências? Qual a razão do seu apelo universal?

A capacidade de transformar espaço e tempo e aproximar o cinema da nossa própria capacidade interactiva de o recriar. Por alguma razão cada vez mais os objectos cinematográficos de massas são cada vez mais filmes de animação com actores reais a contracenar com espaços cénicos que não existem. A magia inerente do cinema de animação é essa capacidade de recriar algo mais próximo do nosso potencial imaginativo. Uma ligação directa do olhar para o coração…quase sem passar pela razão.


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