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Copolla no Estoril





Conferência de Imprensa

Copolla diz que Tetro é o seu filme mais pessoal. Mas embora as afinidades com a sua vida pessoal e as gerações de criativos que a sua família seja evidente não assumiu ser autobiográfico. Ao contrário da dinâmica familiar de Tetro, na sua família sempre se encorajou a veia artística e a individualidade diz. A família de Tetro, por sua vez, é cruel e castradora.
O realizador assumiu ter corrido um risco comercial com a opção das duas línguas e do preto e branco (tal como o inglês e o italiano coexistiam no Padrinho). Gosta da voz do actor na sua língua original. Os americanos são algo intolerantes com as legendas mas algo já mudou a esse respeito na nova geração. Veja-se Crouching Tiger e o sucesso retumbante que teve.
Teve também que enfrentar reservas em relação à excentricidade de Vincent Gallo e eventuais dificuldades na colaboração. Entre as suas reputadas excentricidade sabe que vendeu o seu esperma por um milhão de dólares no seu site. Mas tudo correu de feição. Revelou-se cooperante e pleno de úteis sugestões como Francis gosta de dirigir.
Francis auto-apelidou-se, curiosamente, de sloppy filmmaker no sentido em que tende a não stressar com pré-concepções de planos e filmagens. Mas diz em Tetro diz ter sido perfeccionista. Um filme do coração e feito com precisão (taylor made foi a expressão que utilizou quando o apresentou num lotado segundo visionamento).
A sua ideia de cinema é dinâmica. Diz ter ainda muito que aprender sobre a sua arte. O cinema é uma linguagem que muda constantemente (conceptual e tecnologicamente). “Se assim não fosse ainda falariamos latim”. A vitória do digital sobre a película é apenas mais um passo dessa revolução permamente à qual, curiosamente, apenas os realizadores mais jovens resistem. Talvez, disse, por uma ligação simbólica a um suporte com o qual cresceram e que brevemente verão, pesarosamente, morrer.


Apresentação do Filme Tetro

Francis fala do seu renovado período criativo como a segunda parte da sua carreira: projectos independentes auto-financiados pela sua produtora American Zoetrope (que recentemente transmitiu ao seu clã), ultra pessoais e mais próximos do cinema de autor de inspiração europeia.
O filme que mais o realizou e aquele que é para os seus fans (para mim seguramente) o seu melhor de sempre O Vigilante (The Conversation) já era uma declaração de amor à liberdade narrativa pela qual várias correntes fílmicas europeias pugnaram.
Mas O Vigilante e Tetro é dia e noite. Copolla quis pôr demasiado neste último. Da rivalidade fraternal e sua raíz familiar contrói um desmesurado jogo de referências trágicas clássicas e uma matiz quase bíblica e insuportavelmente ambiciosa do ponto de vista dramático. Nunca o tom do filme é convincente. Não nos transmite sequer o calor de Buenos Aires quando é o cenário e a sensação de deslocação um elemento emocional importante no filme.
Copolla dizia no melhor making off da história do cinema Heart of Darkness – a Filmmaker's Apocalipse (sobre Apocalypse Now obviamente) que queria naquele filme ter ganchos e momentos de espanto regulares, queria jogar com as convenções de mercado para que tão politica e pessoalmente engajado filme chegasse às massas. Fê-lo preservando todo o seu potencial perturbador sem abdicar de simbolismos e subjectividade de leituras. Também se referiu no passado, quase desdenhosamente, a “O Padrinho” como um filme altamente comercial cuja grande utilidade pessoal foi a possibilidade financeira de embarcar em projectos mais pessoais.
Mas foi neste período (o tal primeiro momento da sua carreira) que se afirmou como genial e brilhante realizador e argumentista. “O Vigilante” é um portento de limpeza e economia dramática. Todos os fragmentos estão lá por um motivo e a premissa dramática apresenta-se de forma gradual mas esmagadora. Tetro é muito mais abstracto mas é uma tentativa de “libertação” falhada.
Parece-me pois ser no terreno das convenções e das regras de mercado que Copolla mais se liberta, por mais paradoxal que isto possa parecer.






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