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Mensagens

A mostrar mensagens de 2009

Cronenberg no Estoril

Estive no Estoril Film Festival a cobrir algumas das conferências de imprensa. Deixo-vos algumas opiniões de um dos ilustres convidados da edição de 2009: David Cronenberg. A sua relação com o seu perfil público e a fama em geral. e uma muito interessante visão sobre o seu fluxo criativo e de como os seus filmes são expressão de um projecto filosófico de um percurso de interrogação pessoal:

Alguns dos Filmes da Minha Vida - nº3 - Network

Gosto muito do Sidney Lumet. Na sua obra encontro alguns dos meus filmes preferidos: "12 Angry Men", "Veridict" e este excelente e assustadoramente profético "Network". É um filme de lindos e inusitados diálogos e monólogos, todos eles trabalhados e esculpidos no ritmo e musicalidade. É um filme de escrita virtuosa, pouco dado a economia de palavras. O que nalguns filmes seria sinal de falta de recursos visuais é, na vertigem de "Network", a base da sua dimensão. A trama essa é de uma ironia e mestria inesquecíveis. Um recém-despedido repórter televisivo em esgotamento emocional liberta, em directo, a sua frustração acumulada numa tirada anti-capitalista que desconstrói o jugo corporativo ao qual a sua própria estação se rendeu. O que seria uma calamidade transforma-se num fenómeno de audiências explorado pela própria. É vendida a personagem do profeta louco numa corrida louca aos shares de consequências imprevisíveis... O alcance e olhar aguçad

Blogoesfera Cinéfila nº 4 - Café 1935

Deixo-vos mais uma sugestão de blog. Este um mixed media de tributo a diversas fontes de inspiração, sobretudo filmes, publicidade e música de outros tempos. De realçar um carinho especial dedicado ao filme noir. É um blog muito bem pensado e cheio de substância e apelo visual. http://cafe1935.wordpress.com/

Cenas das Nossas Vidas no CinAlfama

O cineclube CinAlfama tem o prazer de convidar todos os que queiram para no dia 4 de Dezembro pelas 21:30 aparecerem na Adicense para mais uma memorável noite! Desta vez a ideia é que todos apresentem a cena das vossas vidas (enviem-me o link do youtube) e um comentário pessoal sobre a importância e significado pessoal e emocional da vossa escolha. Está associada a algum período ou episódio das vossas vidas? A alguma história curiosa? - enviem estes elementos para almeidagomes@netcabo.pt - garanto-vos a máxima discrição;)) As cenas irão ser projectadas e os comentários lidos por um leitor aleatório, preservando-se o anonimato das contribuições. A ideia é partilhar imaginários! Perceber territórios comuns mas também singularidades e, ao mesmo tempo, o que o cinema tem de revelador e auto-reflexivo. Depois disso a festa continua com comida, bebida e música, com especial destaque para temas de filmes e bandas sonoras!! Para info sobre o cineclube e sua localização ir, por favor, a http://

As 20 coisas que mais gosto no Cinema

. a androgenia de Marlene Dietrich . o final de "The Conversation" do Copolla . a fotogenia desarmante da Juliette Binoche . os olhos da Cate Blanchet . o negrume da Jennifer Jason Leigh . Brando . a câmara e sua dança nos filmes do Scorsese . fotografia nos filmes do Wong Kar Wai . Os zig zag's consequentes de Charlie Kaufman . a perfeição feita filme no The Godfather . tensão de James Dean . coragem e independência do The Wrestler . a velhice como idade da descoberta em Clint Eastwood . inquietude sem compromissos de Orson Welles . eco eterno de um diálogo do Tarantino . o espanto e mistério de um filme de Kubrick . a beleza na simplicidade em filmes como Lost in Translation . auto-ironia em geral, a exposta e sofrida de Woody Allen em particular . galã que distila com subtileza seu magnetismo e sex apeal. Exemplo supremo:Paul Newman! . filmes que atacam o vazio como Mystic River

CinAlfama - Novo Cineclube

Tenho um novo projecto que arrancou há um par de semanas que aproveito para divulgar! É o CinAlfama (http://cinalfama.blogspot.com)! É um Cineclube que criei na zona de Alfama. Vou tentar que ele se distinga pela sua originalidade temática e interactividade! Toda a gente pode sugerir ciclos e filmes! Vale tudo: “insanidade no cinema”; “esqueletos no armário”, tudo o que seja pessoal e original pode ser o fio condutor das nossas escolhas fílmicas. O arranque foi no dia 25 de Setembro com o tema "Viagens". Uma sessão em que foi projectada, ao ar livre, a intemporal curta de Georges Méliès "Viagem à Lua" acompanhada em sincronia por um guitarrista profissional da Hungria (www.sandormester.com) e completada com o excelente filme de Martin Macdonagh "In Bruges"! Na próxima 4ªfeira dia 14, nova sessão e com dose dupla! Desta vez o tema é "Heróis Caídos em Desgraça"! "Rocky Balboa" e o "The Wrestler" são os filmes escolhidos. Vejam t

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

O Dia da Saia e os Chicos-Espertos

O “Dia da Saia” é um autêntico tratado de inconsequência e desonestidade intelectuais. Padece de quase todo o tipo defeito. É antónimo de subtileza e uma compilação de parvoices. Um filme do Adam Sandler, por exemplo, cumpre o seu propósito. É, invariavelmente, mauzinho (excepção ao Punch Drunk Love em que o seu typecasting de retardado serve bem o filme) sem jamais se arrogar de ser bom. Mas depois há estes chicos-espertos que pensam poder agarrar em temas desta complexidade com o simplismo de um episódio da Rua Sésamo. Uma professora, de uma problemática escola suburbana de Paris, numa tentativa tresloucada de restaurar a sua autoridade e amor próprio apodera-se de uma arma que um aluno trazia na mochila. Recusando-se a devolvê-la impõe a sua lei e as suas, sempre desprezadas, regras pedagógicas. Os media extrapolam sobre a génese sócio-política deste tipo de episódio, os políticos perseguem as suas agendas pessoais, toda a gente diverge sobre o que se passa naquela sala sitiada, po

A Música dos Diálogos no Mundo de Quentin

David Lynch diz que cada papel terá 5 ou 6 actores que o podem fazer igualmente bem, mas que há sempre um ideal. Ou seja, que poderão existir 5 ou 6 excelentes potenciais performances mas que todas serão diferentes. Diz que, um pouco como na música, a mesma peça tocada com uma flauta ou com um trompete pode sempre oferecer algo de maravilhoso mas completamente distinto, duas direcções diferentes. Compete ao realizador escolher a sua via. Lembrei-me desta opinião quando ouvi Quentin Tarantino a falar do seu excelente filme Inglorious Basterds. O processo de casting, dizia ele, foi um desafio de muitos meses pois procurava não só a necessária fluência multilingue nos seus actores mas também a necessária poesia nessa fluência: a tal música que Lynch falava e que só um escritor de diálogos prodígio como Tarantino consegue antecipar aquando da escrita. O seu fetiche "dialoguista" enfatiza a tal musicalidade que se completa, porém, na vida própria que um determinado actor lhe empre

Um Mundo Catita! O Real Caricatural

Manuel João Vieira (MJV) sempre me pareceu, ele próprio, uma caricatura, uma personagem de ficção. Sempre soube, com uma boa dose de auto-ironia, explorá-la (a personagem): o Manuel boémio e diletante; feio de olhos esbugalhados; estranho e desajeitado; o espalha-brasas; o palhaço triste! Esta série tem a orginalidade de prolongar essa sua dimensão caricatural. Como se fossemos convidados a ver, em filme, aquilo que seria a nossa percepção da sua vida e pessoa. O resultado: o burlesco no seu melhor! Há certas cenas, como a da actuação do MJV no Natal dos Hospitais, que estão uma delícia de estilo e de kitsch. Também o gag que evoca Bergman e o célebre jogo de xadrês com a morte (Sétimo Selo) está invulgarmente bem recriado para a habitual magreza de meios de uma produção televisiva. A ficção da televisão pública tem por estratégia associar a marca de “qualidade” a produções avultadas, geralmente reconstituições históricas ou adaptações de romances de grande visibilidade. Tudo muito inó

Música Narrativa - nº 5 - The Last Waltz de Old Boy

Reparo, desde que comecei esta rubrica, que as bandas sonoras da minha vida correspondem quase sempre aos filmes da minha vida. Só prova que um filme tem que nos envolver para que a sua atmosfera musical marque a nossa viagem visual. Aqui vai mais um exemplo de um filme que fascina e cuja música amplia o seu impacto, marcando o seu tom emocional. Esta Last Waltz do apaixonante filme Old Boy (Grande Prémio do Júri em Cannes em 2004) é um tema quente e marcante. De tal maneira que vi o filme há 5 anos e ainda o conseguia cantarolar com clareza. O filme é uma história de vingança e tabus. A candura de uma valsa colide com a violência das emoções representadas, como se houvesse algo de poético na angústia. É um grande filme e uma grande banda sonora! A música Last Waltz foi composta pelo sul-coreano Jo Yeong-Wook e deve o seu nome ao Rockumentary de Scorsese de 1978 (assim como todas as restantes músicas da OST devem seu título a filmes conhecidos, muitos deles noir ).

Lisbon Film Orchestra domingo no Parque Mayer

Vi em Dezembro de 2008, num São Jorge repleto, um espectáculo quase perfeito. Uma enorme e excelente orquestra tocava bandas sonoras míticas de vários clássicos do cinema com os mesmos a serem projectados em sincronia! Foi mágico! Senti-me um puto...contive-me várias vezes para não me levantar em apoteose com o Indiana Jones, Star Wars, ET...enfim... Este domingo a dose repete-se! Recomendo a todos: a Lisbon Film Orchestra vai estar no Parque Mayer este domingo, dia 6 de Setembro às 21:00. Os bilhetes custam apenas 5€. Encontramo-nos por lá!? Deixo-vos com um aperitivo;)

Blogosfera Cinéfila nº 3 - Cadernos do Daath

O escritor David Soares traz-nos um blog muito bem escrito e coerente. É um autor de registo fantástico e é esse o enfoque deste weblog. A sua actividade inclui a banda desenhada, contos, antologias do género, entre outras produções de romance e ensaios. Da literatura ao cinema, passando pela crónica e artigo de opinião, é com imaginação e humor que nos põe a par de tudo o que é novidade nas suas áreas de interesse e especialização, tendo o cinema papel de relevo. A título de sugestão: será ele a moderar o MasterClass com o realizador de Terror Stuart Gordon integrado no MotelX no Cinema São Jorge este sábado, 5 de Setembro, às 19:15. http://cadernosdedaath.blogspot.com/

Questões Suspensas nº 2 - The Wire - O Cânone e o Mercado - Parte III

Entre Bush e Obama! O que tem The Wire de tão Especial Dizem ser a série preferida de Barack Obama, o que só diz bem da sua natureza. Se Bush tinha alguma preferência não deveria andar longe do “Walker, o Ranger do Texas” (para baixo). Este facto podendo parecer fait diver é, para mim, quase uma confirmação – se dúvidas existissem sobre o enorme upgrade de carácter e riqueza de olhar injectados na Casa Branca…do palhaço para quem tudo é preto ou branco ao homem que tem profundo conhecimento dos cinzentos e respectivas gradações. O enfoque da série é estrutural. Tenta mostrar como as instituições constrangem comportamentos pessoais mas também como certas opções individuais podem alterar jogos de poder. Tudo muito orgânico e intrincado. Mapeiam-se redes interpessoais com uma minúcia impressionante. Vemos um enorme e brutalmente realista sistema de vasos comunicantes e ficamos banzados com o arbítrio das circunstâncias que, na realidade, ditam as nossas vidas. É uma série chata! Indigest

Questões Suspensas nº 2 - The Wire - O Cânone e o Mercado - Parte II

Dar às Pessoas o que Elas Querem Dar às pessoas o que elas querem é um falso argumento. É o que se ouve em Portugal a torto e a direito para justificar a esterilidade da produção televisiva nacional. Ouvi, por exemplo, José Eduardo Moniz a descrever o TVI Jornal como um espaço de e para o povo, que veste os jeans, arregaça as mangas e vai à cata do autêntico e português que é o que as pessoas querem num telejornal (se não era isto era uma baboseira semelhante)... A bitola e a exigência é um processo dinâmico e dialéctico. O oferta (está estudado) induz a procura. Não é a fatalidade de subdesenvolvimento cultural e estreiteza do mercado que dita a imbecilidade de quase tudo o que se produz na televisão portuguesa. A Hbo vem prová-lo e é esse o seu legado. Demarcou-se, definiu a sua singularidade e é hoje uma enorme e global marca que, apesar de ter conteúdos muito desiguais no que à qualidade diz respeito, goza ainda, uma década pós-Sopranos, de uma conotação revolucionária. É esse perf

Questões Suspensas nº 2 - The Wire: O Cânone e o Mercado - Parte I

São quatro da madrugada numa sexta-feira. Acabei de ver o último episódio da 3ª temporada da série The Wire (A Escuta). Foi uma absoluta vertigem! A primeira série foi brilhante. Mas só agora passado um ano resolvi comprar as 2ª e 3ª séries. E assim se escreveu uma das páginas mais marcantes do meu percurso enquanto espectador. Sendo o cinema e a televisão (da boa) uma dos minhas principais janelas para o mundo, sinto que o meu olhar se refinou com a experiência. Vou ter em muitas situações futuras algo do The Wire no meu arquivo pessoal, ao qual vou, de forma consciente ou não, recorrer. Os que paparam febrilmente e de enfiada as 5 séries poderão pensar "descobriu a pólvora o bacano!". Quem sou eu para discordar. Ver a série deu-me vontade de pesquisar sobre as condições do mercado televisivo americano que permitiram que uma série tão brilhante quanto indigesta tenha visto a luz do dia. Fazendo-o talvez possa tocar também tocar nas fragilidades do nosso meio televisivo. Prem

Frost/Nixon - ficcionar para fins dramáticos

Aproveitei a habitual reposição dos melhores filmes de 2008 no King para ver Frost/Nixon. Estava curioso em saber qual tinha sido a estratégia narrativa para tornar dramatizável uma entrevista, por maior que fosse a sua relevância política e mediática. A dita entrevista ocupa 1/3 do filme (percepção pessoal pouco rigorosa, admito). No restante período dedica-se exclusivamente ao raising the stakes . O frívolo e diletante talk show host Frost vê no desafio a Nixon um irreversível passo maior do que a perna que lhe pode custar a carreira e o ex-presidente uma última oportunidade de regenerar historicamente a sua imagem de estadista. Tudo isto num fundo de enorme eco sócio-político que tal momento significaria. Não veria o sempre sensacionalista Ron Howard fazê-lo de forma diferente. Mesmo que o filme se baseie num argumento de Peter Morgan que adaptou para o ecrã a sua peça epónima. Mas quando se fica pelas emoções fáceis de "Mar de Chamas"(1991) ou o sentimentalismo comezinho

Paradise Omeros de Isaac Julien - que surpresa!

Passei esta semana pelo Guggenheim de Bilbao. Fiquei impressionado pela dimensão e escolhas artísticas do museu. Mas houve uma instalação de video de um senhor chamado Isaac Julien que me impressionou imenso! Não mais deixei de pensar no filme e assim que regressei googlei-o furiosamente! O filme de 20 minutos baseia-se num poema épico de Derek Walcot que teve, como o nome indica, inspiração no trabalho de Homero. O filme faz pois a associação da epopeia clássica às marcas emocionais de um percurso de emigração introduzindo uma intrincadíssma sucessão de alusões sóciais e étnicas num fundo de associação de imagens e memórias. Mergulhamos num jogo de mistérios e intriga emocional com associações espontâneas e imagética subconsciente. É uma abstração profunda e sedutora que nos suga e maravilha. Isaac Julien é conhecido por ter desde o início da carreira o desígnio de desconstruir barreiras entre as diversas formas artísticas, conjugando-as ao serviço da narrativa visual. A negritude e

Shotgun Stories e o território emocional

Jeff Nichols traz-nos um olhar independente, sem restricções de economia narrativa, sobre o vazio e prisão emocionais que uma infância estragada traz. Várias cenas impressivas apenas lá estão para dar tom: de realismo e inexpressividade.Os olhos vazios e a vivência desalmada das personagens deste filme são marcantes. Cada uma delas procura um refúgio dum vazio impiedoso; a carrinha; o campo de basket; o lago e a pesca... A história do filme é a de uma disputa familiar. Três filhos negligenciados afrontam no funeral do pai a sua memória de homem bêbedo que os deixou ao arbítrio de uma mãe odiosa. Os filhos de mesmo pai de uma relação posterior insurgem-se, gerando-se uma trágica sucessão de retaliações. As Histórias de Caçadeira são a de uma disputa que evoca o tema western da demarcação territorial. Mas de um território emocional. O da paternidade e da importância da mesma na construção identitária do indivíduo. A auto-noção é um código primário de vida que quando ameaçado e abanado na

Convidado de Honra nº4 - Susana Romana e a Escrita de Humor

Susana Romana é autora associada das Produções Fictícias desde 2005. Entre os vários projectos que escreveu para televisão, teatro, imprensa, rádio, suportes multimédia e eventos, destacava o “Inimigo Público” (suplemento satírico do jornal Público), “À Procura do FIM” (espectáculo musical para crianças em cena no Tivoli), “Marcação Cerrada” (crónica humorística do jornal “A Bola”), “Portugalex” (rubrica de humor da Antena 1) e a série “Liberdade 21” (RTP). Esclarece-nos, com respostas muito interessantes e reveladoras, alguns aspectos e curiosidades sobre a escrita de humor: São necessários certos traços de personalidade para escrever humor? Mais do que outra coisa qualquer, eu diria que é necessário ser-se muito observador. Chegar mesmo ao ponto de ser chato e comichoso, de reparar nos detalhezinhos e tiques e manias todos. É isso que proporciona, por exemplo, ser capaz de ter uma abordagem fresca perante um tema da actualidade ou criar reconhecimento quando se está a fazer uma piad

A Zona

A Zona é um filme de instinto mas é igualmente um rigoroso exercício de acuidade visual. É onírico mas sensorial e táctil. Os pormenores captados: mãos; olhos; rugas; barba, são mais do que fisionómicos: de tão macro tornam-se abstractos. A Zona pareceu-me evocar Cronenberg e a sua relação obsessiva com o corpo na sua dimensão plástica, perene e mutável. O seu realizador Sandro Aguilar, contudo, diz ter em David Lynch umas das suas principais referências. Só que se Lynch subverte a narrativa para lá do lógico (o Inland Empire já foi, para mim, para lá dos limites do suportável), neste filme a narrativa é secundária...ou pairamos sobre ela à procura de algo intangível. É de facto um convite arrojado este feito para a Zona. Poderá instigar intriga ou desprezo; análise ou sonolência. Não existe com este filme a possibilidade de um “não gostei nem desgostei” ou o conforto de uma morna experiência domingueira. É esse o seu mérito, a sua radicalidade e inovação. É um filme cinzento e frio.

Alguns dos Filmes da Minha Vida - nº2 - Lulu on the Bridge

Sou um fã de Paul Auster. Como escritor e como realizador. Falando deste filme Auster citou o famoso dramaturgo e encenador Peter Brook: "I try to combine the closeness of the everyday with the distance of myth. Because, without the closeness you can’t be moved, and without the distance you can’t be amazed.“ Nenhuma citação poderia descrever tão bem o que este filme tem de belo e profundo. Lulu on the Bridge fala, em jeito de fábula, dos travões emocionais que connosco transportamos e do desejo que deles temos em libertar-nos. Nessa busca um homem mitifica, projecta desejos - neste caso numa mulher. Percebemos com este filme que libertação e o auto-conhecimento estão na entrega (a outra pessoa e riscos que acarreta). Sair do eu atormentado é tarefa difícil. Há algo de ambiguamente confortável na resignação, uma camada de falsos equilíbrios que aparentemente amacia o nosso quotidiano. É uma mística pedra que Izzi encontra (elemento central do filme) que parece abrir um portal par

João Salaviza fala sobre "Arena" - a badalada curta que venceu Cannes!

"Cinema português não deve reproduzir realidades que não as nossas. Filmar à americana é um fiasco." São afirmações que ganharam ecos de legitimidade com a surpreendente vitória de João Salaviza na competição de curtas em Cannes. O jovem realizador fala ao programa Fotograma sobre as suas opções e atitude em relação ao cinema, muito antes de sonhar possivel tal proeza em terras de França.

Democratização do Cinema

A generalização da Alta Definição e as possibilidades de divulgação via net parecem querer levar o cinema por caminhos ainda pouco previsíveis. Mas já os arautos da tragédia agitam com a morte da cinefilia. Alegam que qualquer iletrado com uma handycam aspira hoje ao estatuto de criador. Também Chaplin dizia que com a morte do mudo o cinema perdia a sua expressão mais nobre: a pantomínia. Bom...quanto a isto...é ver o "Luzes da Ribalta"! O fantástico vídeo que se segue, de Jason van Genderen, foi inteiramente gravado num telemóvel e ganhou o maior festival de curtas do mundo: o australiano Tropfest. (http://www.tropfest.com/home). 3 minutos e meio de puro deleite!

Histórias de Cabaret (Go Go Tales) - O Desconforto de Ferrara

Neste filme a mistura de tom é particularmente saborosa. Há uma espécie de choque entre a avidez e a rudeza do ambiente e da míngua que parece ter chegado para ficar ao Andys Paradise (Abel Ferrara dá sempre um enquadramento musical urbano e perturbador aos seus filmes) e a deriva vaudeville burlesca em que se converte o filme no seu último acto. Essa transição é excelente como excelentes são as bailarinas e todo o cast. William Dafoe não nos transmite gravidade mas a excentricidade natural da sua figura presta-se lindamente ao tal burlesco contexto. Vai-se vislumbrando inocência nas personagens, apresentadas como duronas e abrutalhadas. Essa dualidade: das personagens; do cabaret; da luxúria vs. inspiração, é credível. As mudanças de tom são um mecanismo movediço, que induz perturbação, a ser empregue com parcimónia e tacto. Abel Ferrara fá-lo sempre bem. Conhece profundamente as convenções dos géneros e nelas se move com uma independência muito vincada e estilo próprio. É sempre ele

Questões Suspensas - nº1 - Os Limites do Humor

Quero com esta rubrica lançar perguntas mais do que as responder. Relativizar mais do que fixar fronteiras teóricas. O que tem piada? Eis a primeira pergunta! O sentido do que é humor é e será sempre determinado pelas nossas próprias fronteiras morais para as quais concorrem uma grande nuvem de factores. Não será nunca uma questão resolúvel determinar os seus limites. A fronteira do bom e do mau gosto; do subtil e do gratuito. São conhecidos e estudados os mecanismos do riso: as suas determinantes não têm uma raiz exclusiva: psicológica; social ou cultural. Descrevendo a minha reacção ao seguinte bit de Ricky Gervais (um dos maiores cultos televisivos da minha vida)sobre a Lista de Schindler acabo por explicar um pouco da confusão de espontaneidades e espartilhos que nos fazem rir ou não rir: O meu primeiro instinto foi rir. Um reflexo, uma espécie de regressão a um certo prazer infantil e sádico. Esse riso foi depois cortado por uma sensação de desconforto e culpa. Comecei com um riso

Alguns dos Filmes da Minha Vida - nº1 - Sideways

Os filmes que apresentar aqui não estão por ordem de preferência. Porque, na realidade, não a consigo determinar. Há muitos filmes que admiro e aos quais volto periodicamente. Todos eles têm camadas de encanto. Como se ao revisitá-los conseguisse encontrar novos detalhes: clandestinos e sorrateiros. Adoro esta comédia. Sideways! Tem uma propriedade que muito prezo nalguns filmes: nada de demasiado marcante acontece. Prova que nem sempre é necessário puxar a tónica do conflito e da crise para que os personagens se revelem e acrescentar densidade dramática. O tom do filme é suave do princípio ao fim sem que isso signifique menor compreensão das personagens e dos seus manifestos ou latentes conflitos interiores. Neste filme existe uma cena fantástica à qual gosto também de voltar! Um diálogo cheio de momentos e mudanças emocionais. Miles (Giamatti) é uma personagem trémula profundamente mergulhada no seu lado obscuro e Maya (Madsen)alguém delicada com cicatrizes profundas de uma anterior

Música Narrativa - nº4 - Anton Karas e The Third Man

Queria deixar esta rubrica respirar um pouco...mas acabei de ver o filme The Third Man de Carol Reed! Bem sei que a quente tomam-se decisões precipitadas, mas é seguramente já um dos filmes da minha vida. Entre os múltiplos pormenores espantosos do filme (fotografia, argumento, em especial os diálogos...) tenho que destacar a banda sonora. Tal como o filme, este tema apresenta-se gingão mas nem por isso alegre. É esse o tom do filme. É engraçadamente noir , cheio de nuances e sensações contraditórias. A própria personagem de Orson Welles (o terceiro homem) atrai-nos com seu carisma e causa-nos repulsa com seu cinismo (como no fantástico Cuckoo clock speech, adição ao argumento original da sua própria autoria). Foi composto e tocado numa cítara por um vienense chamado Anton Karas descoberto pelo próprio realizador Carol Reed numa incursão noturna pela capital austríaca e foi gravado, por condição do músico, no seu quarto de hotel. A melodia é marcante, fica no ouvido. Até os Beatles, n

Patti Smith - Dream of Life

A biografia de Patti é condensada e despachada nos primeiros minutos e assim se dá o mote do filme libertando-o para a abstracção. A poesia do filme é algo encenada. A própria Patti Smith promove activamente o registo onírico, não é apenas um sujeito passivo que se deixa captar na sua intimidade. A atmosfera de sonho, o Dream of Life, casa muito bem com a poesia da autora que pontua e contribui, declamada ou cantada, para o seu tom. Está bem patente o grau de identificação do realizador com a artista e pessoa. A intimidade da câmara vem daí, do conforto que entre os dois se criou. Steven Sebring capta-a na sua multiplicidade. Patti assume o turbilhão espiritual que a levou de um meio rural e limitado para o mítico Chelsea Hotel em Nova Iorque. Esse turbilhão é deixado à solta numa reminiscência e associações espontâneas com que revisita o seu passado pessoal e musical. Contudo, o seu transe musical nos tempos de hoje pareceu-me algo reciclado. Assim ao documentá-lo o filme perde (visão

Música Narrativa - nº3 - Lennie Niehaus e Clint Eastwood em Unforgiven

Desde o filme Pale Rider (1985) que Clint Eastwood não trabalha com mais ninguém senão o seu colega de tropa, a lenda Jazz de Hollywood Lennie Niehaus. Diz-se de Clint ter um afinadíssmo sentido de ritmo e um excelente ouvido para a música, em particular para melodias simples como este "Claudia's Theme". Parte dessa intuição está nas suas bandas sonoras e a colaboração com Lennie tem sido sensível a esse jeito pessoal . Foi Eastwood que "cantarolou" este minimal e magnífico Claudia's Theme espremido em diferentes registos em looping todo o filme: ora suave e insinuante (com um simples solo de guitarra no início do filme) ora intenso e dramático (com o arranjo mais completo nos créditos finais). O filme traz-nos personagens com cicatrizes demasiado profundas. Um passado demasiado presente para que a vida continue...uma redenção impossível. É um tema de uma tristeza e melancolia comoventes.

Os Filhos de Eisenstein

Certo dia, um amigo com quem conversava sobre cinema, rotulava de “filme de compromisso” a fita Contacto, baseada no romance homónimo de Carl Sagan. Denunciava a análise exageradamente óbvia e polarizada da dialéctica fé/ciência, concretizada nas personagens do padre e da cientista que faria, em espirito de contrição, vergar o seu positivismo científico ao milagre do intangível e divino. Supostamente, o interlocutor veria nesta visão idílica a tradução directa da mediocridade e correcção política da fascizoide (foi a expressão utilizada) sétima arte americana. A delícia de Carl Sagan, era agarrar conceitos que existissem para lá do alcance da ciência. O filme em questão retrata, pelo contrário, a linha estreita e indefinível que separa a ciência da religião e não vejo nele qualquer simplismo ou compromisso ideológico. Estudando numa faculdade de ciências sociais convivi muito tempo com esta vaga de originalismo das elites liberais bem-pensantes que, irredutível, se traduz quase sempr

Convidado de Honra nº 3 - José Soares da Revista Take

Só uma firme paixão e convicção pessoais podem levar uma pessoa a criar de raiz, contando apenas com a sua firmeza, uma revista online de cinema. A Take celebrou em 8 de Fevereiro um ano de existência e vem gradual e solidamente ganhando o seu espaço junto dos leitores cinéfilos online. Hoje, cerca de 10.000 pessoas visitam a Take todos os meses e distribuiu já, na sua curta existência, mais de 1000 convites duplos para o cinema. O seu fundador fala-nos da sua motivação, dificuldades e votos para o futuro. Explique-nos o processo de criação da Take. O que o motivou? Que dificuldades encontrou? A Take surgiu com a intenção de “dar cinema”. Em Setembro de 2007, com a notícia do final da Premiere, senti o impulso e o desejo de não deixar morrer uma publicação sobre esta arte que tantas emoções nos traz. Decidi então criar uma revista com os meios de que dispunha. Juntei uma equipa que partilhava esse ideal e partimos à aventura. Tratava-se de levar às pessoas, gratuitamente, um trabalho f