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Convidado de Honra nº 7 - José Farinha e "O Inimigo sem Rosto"



Entrevistei para o Gimmicky José Farinha sobre a sua primeira longa metragem "O Inimigo sem Rosto". Fala-nos, sem reservas, dos sucessos e obstáculos que enfrentou no projecto e no panorama do cinema português em geral.

Porquê o atraso na estreia do filme? A este respeito, que obstáculos se levantam, na tua opinião, à estreia de mais filmes portugueses na nossas salas?

É uma questão pertinente que me transcende mas que tem a ver com a burocracia institucional. Esta pergunta deveria ser colocada ao ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) e à produtora TAKE 2000. Um realizador sente-se de mãos e pés atados quando estes atrasos surgem. O que se torna desmotivador... mas o filme não perde força graças à temática - poder, fraude e corrupção em Portugal - 5 anos para trás ou 5 anos para a frente não conseguem desgastar o filme. Aposto que daqui a 5 anos continuará actual porque demoramos muito tempo a modificar a sociedade e a Justiça é muito lenta. Foi rodado entre Novembro e Dezembro de 2005, muito antes de "Corrupção" do João Botelho e de "Call Girl" do António Pedro Vasconcelos, que também abordam estes temas. Há ainda a considerar o facto das distribuidoras em Portugal não quererem apostar no cinema português. Preferem os blockbusters americanos que são muito mais atraentes em termos de bilheteira. O que até é uma ideia errada porque se existir uma boa promoção e divulgação aos filmes nacionais com uma forte distribuição nas grandes superfícies comerciais, onde estão a maior parte das salas de cinema - o sucesso é garantido! À semelhança da Lei da Rádio, deveria de haver uma lei que obrigasse as distribuidoras a passar uma percentagem significativa de filmes portugueses. De igual modo deveria de haver uma politica de patrocínios imposta às 1000 maiores empresas através de uma taxa justa e transparente que revertesse para um Fundo do Cinema. Todos nós sabemos que os subsídios do Estado escasseiam e as empresas não gostam de ouvir falar em patrocínios. Está na hora de o Ministério da Cultura, através do ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual), das televisões generalistas (RTP, SIC e TVI), das associações de Produtores e de Realizadores e de outras entidades interessadas no sector se sentarem a uma mesa para debaterem o futuro de uma Indústria Cinematográfica e Audiovisual forte. É preciso ter ideias novas e pô-las em prática. Senão nunca mais vamos sair da cepa torta!!!

Descreve-nos um pouco a tua colaboração com o argumentista Vicente Alves do Ó? Escrita, reescritas...

Desde sempre foi uma colaboração excelente. No início do projecto fui eu que fiz a primeira versão do argumento que tinha muita voz off. Numa reunião com o produtor José Mazeda chegámos à conclusão que as personagens deveriam ter mais emoção e sentimento. É nesta altura que entra a colaboração do Vicente Alves do Ó que em tempo record (cerca de 3 meses) consegue fazer um lifting e dar a volta ao texto. Já na fase de rodagem, e em cima do plateau, deu-se lugar a alguns ajustes entre actores e personagens. Um guião nunca está terminado, só quando se dá a ordem de: acção!

Que prisma se privilegiou na adaptação do livro homónimo de Maria José Morgado?

O livro e o filme giram à volta da história de três indivíduos – o ‘Feiticeiro’ (José Wallenstein), o ‘Albatroz’ (António Melo) e o ‘Turbo’ (Paulo Nery) – que têm como negócio-base o contrabando de tabaco. A partir daí lavam dinheiro em offshores e transformam-no em outros negócios legais. Existe um lado sentimental porque são seres solitários e gostam sempre de ter alguém a quem contar os seus feitos e, muitas vezes, são as prostitutas que lhes servem de porto de abrigo em vez da família. Tanto o livro como o filme mostram de uma forma abrangente os crimes económico-financeiros como corrupção e fraude. Estes por si só conseguem causar grandes danos ao Estado e aos seus cidadãos. Geram pobreza, provocam injustiça social e são responsáveis pela degradação do sistema político e das instituições públicas.

Sendo a tua primeira longa metragem, que expectativas tens em relação à recepção da crítica? Que importância tem ela para ti?

Esta minha primeira longa metragem foi muito bem defendida tanto por mim como pelo produtor José Mazeda que teve a preocupação de me dar duas grandes equipas: uma equipa técnica de excelentes profissionais e uma equipa artística única, um elenco de luxo. Funcionaram sem atritos e na perfeição. Tive o privilégio, a honra e um enorme orgulho de trabalhar com todos eles. Adoro temas transversais à sociedade portuguesa e gosto de ser provocador. Respeito todas as criticas, é claro!... mas dou-lhes uma importância relativa. Cada crítico tem a sua opinião, muito subjectiva por sinal. Mas lamentavelmente não faço filmes para a critica. Faço filmes para as pessoas que vão ver os meus filmes. E só os espectadores têm verdadeiramente o direito de dizer se um filme é bom ou mau.

Como definirias a relação do público português com o cinema por cá feito?

A relação é a mesma que têm com o teatro, a dança, a música e todas as outras expressões artísticas. Precisamos de nos defendermos mais e de gostar mais de nós. Basta olhar aqui para o lado e verificar que Espanha tem uma das melhores cinematografias da Europa, acarinham os seus actores, bailarinos, músicos e cantores que protegem e não têm vergonha de cantar na sua língua. Nós precisamos de uma injecção com mais auto-estima. Neste aspecto ainda somos muito provincianos porque admiramos mais as coisas que vêm de fora, do exterior. Achamos que o que fazemos por cá é piroso. Mas isso também está a mudar aos poucos através da malta nova. Há uma nova geração que está a ir ao cinema, ao teatro, aos concertos... enfim a dar uma nova dinâmica à cultura portuguesa.

E planos para o futuro?

Estão no segredo dos deuses... Mas posso adiantar que estou a trabalhar numa adaptação para Cinema e Televisão da CRÓNICA DOS BONS MALANDROS, do Mário Zambujal. Será a realização de um remake com alguma acção, sobre personagens tipicamente alfacinhas bem ao jeito da comédia à portuguesa. Trata-se de uma história dos anos 80 que quero puxar para os nossos dias por estar actual e retratar na perfeição o quotidiano lisboeta. Renato, o Pacífico, Marlene, Flávio (o doutor), Arnaldo Figurante, Pedro Justiceiro, Adelaide Magrinha, Silvino Bitoque... Só o nome destes cromos são bem sugestivos. Num futuro próximo penso, também, dedicar-me a um projecto internacional.

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