Avançar para o conteúdo principal

Vida e Dramaturgia


Alguns (a maior parte) dos biopics não me preenchem minimamente.
Pecam (a maior parte) por simplificar, balizando vidas em plot points e defining moments claros.
A vida de um ser humano e a dramaturgia terão sempre este óbice. A primeira é demasiado complexa e incoerente para encaixar convenientemente na inteligibilidade da segunda.

Mas alguns filmes são particularmente desonestos neste particular. Entram numa diegese enciclopédica que apenas raspa a superfície. Na maior parte dos casos o que este género produz são elegias pouco críticas e poucos conseguem fugir a um manipulador tom épico.
Lembro de "La Vie en Rose" o filme biográfico de Piaf. O guionista parece ter adaptado o seu texto do correspondente artigo wikipedia, de tal maneira confirma tudo o que (pouco) sabemos sobre a sua torturada existência.

Mas alguns tomam a honesto rumo da selectividade. Preferem mostrar um segmento de vida que seja a quintessência da personagem, no que ela representou e no que ela foi como no intemporal "The Passion of Joan of Arc": mostra-la no seu mais singularmente odioso como em "Raging Bull": dar dela uma representação livre e pessoal como no extraordinário "American Splendour": ou poética e formalmente multifacetada como no libertário "I'm Not There"...

Estes são exemplos máximos da humanidade na criação cinematográfica. Pessoas que não sacrificam a "carne e osso" dos seus retratados ao síndroma de heroísmo a que tantos sucumbem.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 5 - Um Homem Singular

Neste soberbo filme um requintado formalismo, próprio de um fotógrafo/estilista, encontra-se com uma rara humanidade e profundidade da história e das personagens. Há "quadros" absolutamente maravilhosos, um festim sensorial, mas também momentos de pura intuição e sensibilidade. É essa sensibilidade que faz que o exercício estilístico não se sobreponha à pungente magia do seu drama. A subtileza que nos enleia com perfeição (na música e na fotografia, por exemplo) num dia de terminal angústia...a mesma subtileza que eleva Colin Firth a uma interpretação histórica, perfeita! Subtileza que Hollywood detesta: um ano depois premiaram-no pelos seus maneirismos, sempre ao gosto do tio Óscar, no anódino "Discurso do Rei"... É um filme extraordinário ao qual voltarei muitas vezes no futuro!