Avançar para o conteúdo principal

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 4 - A Última Hora de Spike Lee



É um dos filmes que mais me marcou! Pela consistência do seu tom: intenso e pungente. Imerge-nos totalmente na amargura de "Monty Brogan" (Edward Norton) nas 24 horas que precedem a sua ida para prisão.
Vários elementos concorrem para esse efeito.
A espectacular banda sonora do multi premiado Terence Blanchard contribui para essa carga não dando, desde o genérico inicial, qualquer trégua a quem a ouve.
O casting, que Spike Lee assume vital no seu método, é, neste filme, mais um elemento enorme de credibilidade. A sexy e terna Rosario Dawson; o grande Brian Cox como pesaroso pai irlandês; o inadaptado e adolescente Seymour Hoffman; Barry Peppar como yuppie calejado e impermeável e o sempre magnético Edward Norton no papel principal, são escolhas perfeitas!
Todas as personagens secundárias parecem partilhar alguma da desorientação do seu protagonista e acentuam, nos seus trémulos percursos, a precariedade emocional da situação...de não ir a lado nenhum. O tempo que se esgota paira como factor de tensão e culmina da mesma forma que se instalou: fortíssima! (uma raridade!).
O argumento genial de David Benioff colou este conto de desespero sem redenção ao pós 11 Setembro. A colagem é pouco clara mas sintoma da liberdade e engajamento que Spike Lee, geralmente, assume na abordagem de temas complexos. O histórico Fuck You Monologue (ver em baixo) em que Norton espingarda catarticamente para todas direcções confirma que os EUA são também anexados a este percurso de raiva, lamento e contradição amargurada. Como se mais uma personagem cega pela raiva e com rumo incerto se tratasse.



A história e as sub-histórias são desenvolvidas sem preocupação de rigor e encaixe e, no entanto, tudo parece resultar e somos sorvidos sem apelo pelas suas questões dramáticas. De tal forma assim é que vi o filme inúmeras vez com a mesma renovada sensação de consternação. Uma obra prima e juntamente com "Verão Escaldante" o melhor filme de Spike Lee!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

O Referente de Cavaleria Rusticana - de Scorsese a Coppola

Cavaleria Rusticana é uma peça musical de Pietro Mascagni, estreada em 1890 no Teatro Constanzi em Roma, e baseada num peça escrita por Giovanni Verga. Foi a ópera que disseminou o mito do cavalheirismo rústico dos sicilianos. Uma história de ciume e vingança passada entre os camponeses da Sicília.  Fala de honra, duelos, vendettas.  Foi porventura das primeiras referências culturais ao tal espírito siciliano que mais tarde vieram simplistica e de forma generalista a associar à máfia. A palavra "mafia" deriva do adjectivo siciliano mafiusu, como raízes no árabe mahyas, que significa "alarde agressivo, jactância" ou marfud, que significa "refeitado". Traduzido livremente significa bravo. Desde a sua composição e exibição que vários autores, sobretudo sociólogos, trataram de desconstruir os  pejorativos lugares comuns de cavalheirismo rústico que a ópera corporizou. Mas será sempre uma peça musical que arrasta consigo um referente muito forte que ne...