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O Dia da Saia e os Chicos-Espertos




O “Dia da Saia” é um autêntico tratado de inconsequência e desonestidade intelectuais. Padece de quase todo o tipo defeito. É antónimo de subtileza e uma compilação de parvoices.
Um filme do Adam Sandler, por exemplo, cumpre o seu propósito. É, invariavelmente, mauzinho (excepção ao Punch Drunk Love em que o seu typecasting de retardado serve bem o filme) sem jamais se arrogar de ser bom. Mas depois há estes chicos-espertos que pensam poder agarrar em temas desta complexidade com o simplismo de um episódio da Rua Sésamo.

Uma professora, de uma problemática escola suburbana de Paris, numa tentativa tresloucada de restaurar a sua autoridade e amor próprio apodera-se de uma arma que um aluno trazia na mochila. Recusando-se a devolvê-la impõe a sua lei e as suas, sempre desprezadas, regras pedagógicas. Os media extrapolam sobre a génese sócio-política deste tipo de episódio, os políticos perseguem as suas agendas pessoais, toda a gente diverge sobre o que se passa naquela sala sitiada, pondo a nú uma gama grande de tensões.
O pano de fundo é o republicanismo francês e a quase “religiosa” laicidade do seu sistema escolar. Tudo é metido ao barulho neste filme! Um cocktail de clivagens étnicas e discriminação de género.

Isabelle Adjani é, no papel de professora, das coisas menos credíveis que já vi. Numa tentativa de credibilizar o seu acesso de loucura, a dinâmica, as disfunções da turma e toda a tensão a que está sujeita são expostas a uma velocidade vertiginosa e de forma super- exagerada, quase caricatural. Todo aquele drama se confunde com a comédia, de facto!
Os ganchos da história são de gritar. Um twist atrás do outro. Ora uma miúda argelina pega no revólver como catarse de uma pesada infância, ora um miúdo brutalizado faz o mesmo. As partes oprimidas são assim convidadas pelo guionista, com este dispositivo, a sairem da obscuridade expondo um rol de maleitas sociais.


Este filme combina todinhos os clichés dos filmes de escola – com um autista tom de naturalismo e análise social; mas também dos filmes de reféns – lá estão os negociadores divergentes, um deles o abrutalhado para quem “isto era chegar lá e entrar a matar” e um outro que por razões pessoais (tão estupidamente apresentadas) se identifica emocionalmente com a “terrorista”; os sensacionalistas media (o vox populi captado é de ir às lágrimas, lá está o chinesinho e a muçulmana a digladiarem-se com acusações de preconceito;); o maquiavélico político; o familiar demovedor...enfim...um festim!


Desafio-vos a ver este filme e a discordarem de mim quando digo que é do pior que vi em anos!

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