Avançar para o conteúdo principal

Questões Suspensas - nº1 - Os Limites do Humor

Quero com esta rubrica lançar perguntas mais do que as responder. Relativizar mais do que fixar fronteiras teóricas.

O que tem piada? Eis a primeira pergunta!

O sentido do que é humor é e será sempre determinado pelas nossas próprias fronteiras morais para as quais concorrem uma grande nuvem de factores. Não será nunca uma questão resolúvel determinar os seus limites. A fronteira do bom e do mau gosto; do subtil e do gratuito.

São conhecidos e estudados os mecanismos do riso: as suas determinantes não têm uma raiz exclusiva: psicológica; social ou cultural.

Descrevendo a minha reacção ao seguinte bit de Ricky Gervais (um dos maiores cultos televisivos da minha vida)sobre a Lista de Schindler acabo por explicar um pouco da confusão de espontaneidades e espartilhos que nos fazem rir ou não rir:



O meu primeiro instinto foi rir. Um reflexo, uma espécie de regressão a um certo prazer infantil e sádico. Esse riso foi depois cortado por uma sensação de desconforto e culpa.
Comecei com um riso instintivo e primário. Rir de traumas pessoais ou históricos sempre foi uma importante válvula de escape moral. Depois retraí-me...como se precisasse de algum tempo para digerir a piada. Este involuntário clique racional veio não sei bem de onde e constrangiu algo aparentemente (mas que nunca é) natural.

Determinar se me identifico, de que lado da tal fronteira se situa, com este momento humor é-me difícil. É altamente ambígua a minha (nossa) reacção aos ingredientes com que vários humoristas nos estimulam. Deixo-vos com alguns exemplos de humor bem avessos a consensos:

Chris Rock sem dó nas areias movediças do racismo com o bit blacks vs. niggers será sempre demais para alguns:


o non sense e jogo de palavras bem básico em filmes como Aeroplano



uma das inversões mais célebres e sensíveis da história do cinema em A Vida de Bryan dos Monty Python


O pouco patriótico (na americana e obtusa acepção do conceito de pátria) e engajado Jon Stewart tem um influência óbvia no jogo bipartidário da política americana recorrendo à (genial) sátira e subversão permanente do clichés jornalísticos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bon...