Avançar para o conteúdo principal

Convidado de Honra nº4 - Susana Romana e a Escrita de Humor

Susana Romana é autora associada das Produções Fictícias desde 2005. Entre os vários projectos que escreveu para televisão, teatro, imprensa, rádio, suportes multimédia e eventos, destacava o “Inimigo Público” (suplemento satírico do jornal Público), “À Procura do FIM” (espectáculo musical para crianças em cena no Tivoli), “Marcação Cerrada” (crónica humorística do jornal “A Bola”), “Portugalex” (rubrica de humor da Antena 1) e a série “Liberdade 21” (RTP).
Esclarece-nos, com respostas muito interessantes e reveladoras, alguns aspectos e curiosidades sobre a escrita de humor:





São necessários certos traços de personalidade para escrever humor?
Mais do que outra coisa qualquer, eu diria que é necessário ser-se muito observador. Chegar mesmo ao ponto de ser chato e comichoso, de reparar nos detalhezinhos e tiques e manias todos. É isso que proporciona, por exemplo, ser capaz de ter uma abordagem fresca perante um tema da actualidade ou criar reconhecimento quando se está a fazer uma piada sobre o quotidiano (ao bom jeito Seinfeldiano).
Ao contrário do lugar comum que se possa pensar, muitas vezes não são os “palhaços da turma” ou o tipo lá da empresa que berra umas anedotas sobre loiras à hora de almoço que dão os melhores humoristas – são os tipos observadores que fazem a coisa pela calada.

Qual a % de inspiração e transpiração neste metier? Pode ser um ofício que se desenvolve com perseverança ou é indispensável talento?
Eu defendo que a criatividade é um músculo que se pode trabalhar e desenvolver, desde que se tenha o empenho e a persistência. Para mim, o talento é apenas o que vai distinguir um tipo razoável de um tipo brilhante (e digo “apenas” sabendo perfeitamente que é uma enorme diferença). A proporção de inspiração e de transpiração varia muito de acordo com os dias, infelizmente.

Parece existir um pós Herman-José no humor português que libertou muita energia criativa contida. Nesta enxorrada qual te parece ser a bitola qualitativa?
O que me parece mais interessante nesta enxorrada é a democratização do humor, seja do ponto de visto do público, seja do ponto de vista do humorista. Nunca existiram tantos meios e plataformas para mostrar trabalho e ideias (twitter, youtube, blogs, programas para descobrir novos talentos…), tal como existe uma sede nunca antes vista de conhecer coisas novas e não necessariamente ter de se limitar ao banal e croquete que passa nas televisões sabe-se lá a que horas.

O Herman tem falhado em preservar o seu peso e destaque. Porque razão? Que circunstâncias mudaram?
Bom, isso talvez tenhas de lhe perguntar a ele 

Existe um "humor português"? Qual a sua matriz?O humor é sempre um espelho bastante fidedigno da sociedade que nos rodeia, e nesse sentido é claro que há um humor português, baseado nas nossas angústias e manias. Mas acho que não tem uma matriz assim tão imutável, vai-se adaptando aos dias que vivemos e às gerações.

Ris-te do que escreves?
Muito mas MUITO raramente. Às vezes acontece rir-me quando releio coisas que já não me lembrava de ter escrito – mas normalmente é uma gargalhada seguida de um “sou mesmo parva!”.

Quais são as tuas supremas referências de humor?
Há nomes que são completamente incontornáveis e que são autêntico Património da Humanidade: os Monty Python, o Woody Allen, o Ricky Gervais, o Seinfeld… Dentro dos clássicos da literatura, adoro a acutilância do Mark Twain, do Oscar Wilde e do nosso Eça. Cresci a ver cinema e séries dos anos 80, pelo que coisas como o Quem Sai Aos Seus, o Aeroplano ou a Murphy Brown, mesmo estando hoje bastante datados, foram de uma grande importância. Sou completamente agarrada aos Simpsons e ao Calvin & Hobbes desde os 9 ou 10 anos. Nas coisas mais recentes, acho a sitcom How I Met Your Mother genial, especialmente ao nível dos personagens e também adoro Flight Of The Conchords. E, por mais foleiro que isto possa soar, tenho a sorte de ter muitos amigos que têm um sentido de humor nato e desembaraçado e que me influenciam muito mais do que aquilo que algum deles possa calcular.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bon...