
Aproveitei a habitual reposição dos melhores filmes de 2008 no King para ver Frost/Nixon. Estava curioso em saber qual tinha sido a estratégia narrativa para tornar dramatizável uma entrevista, por maior que fosse a sua relevância política e mediática.
A dita entrevista ocupa 1/3 do filme (percepção pessoal pouco rigorosa, admito). No restante período dedica-se exclusivamente ao raising the stakes. O frívolo e diletante talk show host Frost vê no desafio a Nixon um irreversível passo maior do que a perna que lhe pode custar a carreira e o ex-presidente uma última oportunidade de regenerar historicamente a sua imagem de estadista. Tudo isto num fundo de enorme eco sócio-político que tal momento significaria.
Não veria o sempre sensacionalista Ron Howard fazê-lo de forma diferente. Mesmo que o filme se baseie num argumento de Peter Morgan que adaptou para o ecrã a sua peça epónima. Mas quando se fica pelas emoções fáceis de "Mar de Chamas"(1991) ou o sentimentalismo comezinho de "Uma Mente Brilhante"(2001) é uma coisa, para pegar em matérias destas é outra.
Quando se utilizam como matéria prima acontecimentos reais a questão da fronteira do ficcionável para efeitos dramáticos é sempre uma questão sensível. Vários dos reais intervenientes do momento retratado vieram desconstruir, não apenas pormenores, mas elementos chave do filme: que a confissão culpa de Nixon não terá sido um momento emocional imponderado; que a relevância do debate esteve longe da dimensão "de mais importante da histórica política" que o trailer apregoa...
Impossível como é conhecer a total realidade dos factos descritos, não deixou de me parecer evidente alguma preocupação em puxar a relevância do momento (e logo do filme). Preocupação que está particularmente patente nos flashbacks que o contextualizam através de comentários dos envolvidos. Estes momentos dão a clara sensação de que as premissas dramáticas e o que está em jogo tem que ser explicado. Deixa muito pouco à interpretação do espectador.
Para mim na dialética entrevistador/entrevistado poderia estar o ponto forte do filme: os diálogos são fortes e os actores conseguem ir além da mimética cópia de maneirismos e conseguem uma interessante química.
Na minha opinião teria sido arrojado, isso sim, assentar toda a narrativa no período da entrevista, incidindo no "combate de boxe" (metáfora recorrente que faz referência à protecção do espaço vital e às nuances tácticas do ataque/defesa) e no que ele mostra do poder da imagem e som - das hesitações; trejeitos; tiques nervosos; inflexões de linguagem e em toda a dialéctica referida.
Perder-se-ia deste modo profundidade no conhecimento da personagem? Não me parece que o filme o consiga de qualquer modo. Umas pinceladas e vislumbres nos intervalos e reuniões de equipas poderiam ser muito mais interessantes do que a convencional e algo artificial história emocional que Peter Morgan engendrou. A ressonância dos factos históricos que o momento evoca seriam a sua riqueza e peso dramáticos e não apresentar a própria entrevista como algo que mudou a história.
Se chegava ou não para uma longa metragem...isso também eu gostaria de saber. Mas, pelo que o filme tem de pior e melhor, não posso deixar de admitir que não lhe fiquei indiferente, longe disso.
http://www.frostnixonthemovie.com/
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