Avançar para o conteúdo principal

Shotgun Stories e o território emocional




Jeff Nichols traz-nos um olhar independente, sem restricções de economia narrativa, sobre o vazio e prisão emocionais que uma infância estragada traz. Várias cenas impressivas apenas lá estão para dar tom: de realismo e inexpressividade.Os olhos vazios e a vivência desalmada das personagens deste filme são marcantes. Cada uma delas procura um refúgio dum vazio impiedoso; a carrinha; o campo de basket; o lago e a pesca...

A história do filme é a de uma disputa familiar. Três filhos negligenciados afrontam no funeral do pai a sua memória de homem bêbedo que os deixou ao arbítrio de uma mãe odiosa. Os filhos de mesmo pai de uma relação posterior insurgem-se, gerando-se uma trágica sucessão de retaliações.

As Histórias de Caçadeira são a de uma disputa que evoca o tema western da demarcação territorial. Mas de um território emocional. O da paternidade e da importância da mesma na construção identitária do indivíduo. A auto-noção é um código primário de vida que quando ameaçado e abanado na sua fragilidade activa um certo e violento instinto de sobrevivência.

A câmara é neutra com esparsos travelings e panorâmicas. Todo o filme é totalmente vazio de artifícios. Não é a independência cool e excêntrica das personagens zombie à Wes Anderson, é uma que se radica na modorra e na sua curteza de horizontes. A música, a paisagem e a fotografia em geral e a lentidão da montagem concorrem na perfeição para a crua melancolia dos seus protagonistas.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bonny and Clyde”