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Notas Soltas

Passarei a compilar nesta página pequenas mas (espero) significativas notas sobre os filmes que vou vendo.

Janeiro de 2012

Martha Marcy May Marlene (Sean Durkin, 2011)
Excelente a forma como os flashbacks se diluem e presentificam com raccords simples e bonitos. É super bem sucedida a intenção de criar um todo orgânico tecido no passado e no presente.
Evita a tentação virtuosa (artificiosa) das convenções do indie.
A frieza analítica combina-se na perfeição com um outro tom mais quente e melodramático.
Fotografia coerente e rigorosa, sem exageros.


Uma Separação (Asghar Farhadi, 2011)
Os ciclos de atenção de um filme no cinema decrescem ano após ano. É a era dos teasers, da câmara nervosa e da pós-produção vibrante. Este ritmo publicitário que luta sem tréguas para captar a atenção do espectador choca-me. Mas enquanto existirem filmes como este, está tudo bem:). É a sua coerência, humanidade e integridade que nos conquista e fazem deste um grande filme! Não há truques que substituam essa mágica trilogia e assim...posso dormir descansado!
Neste filme ninguém é verdadeiramente inocente nem verdadeiramente culpado. O título (que o plano inicial parece reforçar) ganha, com a progressão perfeita do filme, um sentido muito mais lato (o título de um filme pode, de facto, construir e até acrescentar sentido).
São os nossos constrangimentos pessoais e morais profundos que fracturam as nossas relações com o próximo. Mas, muitas vezes, para que passem da latência à superfície precisam de uma ingnição. Isto é explorado com enorme sensibilidade, sem sensacionalizar nem resolver o que é irresolúvel.
Excelente filme!

Take the Money and Run (Woody Allen, 1967)
É preciso recuar na carreira do senhor para percebermos o que teve de inaugural o seu humor. Woody trouxe auto-consciência, masoquismo e unidade narrativa à escrita de humor.
É curioso encontrar numa série de cómicos o humor como capa (para além de espada). Grandes cómicos exploraram a comicidade das suas próprias insuficiências. Vasco Santana ridicularizava a sua obesidade, hoje Ricky Gervais goza amiúde também com o seu peso assim como Woody Allen goza (e fazia-o o já na década de 60) com a sua fraqueza física e personalidade bamboleante. É uma defesa, uma espécie de descompressão prévia que os protege das suas próprias inseguranças antes que se lancem a explorar as dos outros. É curioso!
Hilariante filme!

AfterSchool (António Campos, 2008)
Não cheguei a digerir bem o filme. Mas a combinação pesada de experimentalismo e dureza dramática captaram sem dúvida a minha atenção.

Habemos Papam (Nanni Moreti, 2011)
Os filmes de Moreti são geralmente dominados por ele. O ritmo e a própria estrutura dos seus filmes derivam da sua persona espirituosamente sofrida. Parece neste filme querer libertar a narrativa deste Moreticentrismo mas de alguma forma...não completa a sua tarefa e desiquilibra completamente o filme. Balanceamos inconsequentemente entre o dilema de empossado Papa e o muito livre e pessoal comentário autoral sobre a religião. Mil vezes a auto-exposição assumida de "Abril" ou "Meu Querido Diário".

The Limey (Steve Soderbergh, 1999)
É interessante a utilização de imagens de um filme antigo de Terence Stamp nos flashbacks. Mas fico sempre com a sensação de uma estilização inócua com este realizador. Quando ele ganhou muito jovem Cannes com o excelente "Sexo, Mentiras e Vídeo" já afirmava profeticamente, ao receber o prémio, que a partir daí era "sempre a descer"...
Gostei deste filme mas elevar o homem a uma voz de incomparável singularidade como alguns críticos tentam é, parece-me, um exagero.
É difícil que um filme se aguente inteligível com a confusão cronológica que a montagem irreverente cria e este filme fá-lo e bem. O overlap e dessicronias som/imagem são coerentes com o tema dos fantasmas passados dos quais se tece o filme. Já toda uma profusão de jump cuts, para citar um exemplo, é um pouco over the top - à Soderbergh.

Drive (Refn, 2011)
quando se martela a forma e esta esmaga o conteúdo...o resultado só podem ser desastres como o filme "Drive". De fugir!! Perdoem-me os fãs.

Contos da Lua Vaga (Kenji Mizoguchi, 1953)
É hipnotizante no que tem de místico e culturalista.

Out of the Blue (Dennis Hopper, 1980)
Hopper a fazer de Hopper, como sempre. O rapaz deve ter tido uma infância bem problemática! Ao ponto de não ter grande pachorra para ele.
Gostei da pertinência da música de Neil Young e da forma como desiquilibra o filme para o final psicadélico e, sobretudo, da jovem actriz Linda Manz.

Cul de Sac (Roman Polanski, 1966)
Já lá está o humor negro, o buraco negro familiar e a encenação irrisória do quotidiano e das relações formais entre as pessoas. Mas falta acutilância narrativa. O filme arrasta-se. As personagens são caricaturais (mesmo atendendo ao humor pretendido com elas) e algumas (sobretudo as secundárias) algo desnecessárias.

O Triunfo da Vontade (Leni Riefenstahl, 1934)
É desconcertante ver de onde bebem contextos audiovisuais actuais tão diversos como a cobertura de uma partida de futebol à encenação mediática de um comício político, passando pelos videoclips. É enorme o peso histórico deste filme e percebi claramente porquê: pela percepção de movimento; pela manipulação do "espaço imaginado"; pelo extrema precisão rítmica dos raccords; pela liberdade autoral que conferiu pela primeira vez ao género documental...

The Wonderful, Horrible Life of Leni Riefenstahl (Ray Muller, 1993)
Impressionou-me ver a senhora em permanente e colérica negação perante o (ainda assim demasiado suave) entrevistador. Diz apenas que procurou dar uma outra dinâmica e apelo ao género documental e esvaziou-os de qualquer intenção ideológica na altura da filmagem. Tudo isto confrontado com os planos ultra contra-picados e o agigantamento mitológico em que todo o seu desenho da produção se traduzia. Os planos iniciais de Hitler a chegar a Nuremberga vindo do céu, por exemplo, são gritantemente contrários a essa negação. E assim segue o filme, entre a narração orgulhosa e na primeira pessoa e as fortíssimas (ainda hoje) imagens da sua filmografia.
Foi dos "filmes de montanha", uma espécie de Western de alguns países da Europa Central (ainda hoje bem vivo), que Hitler recrutou esta senhora. Queria que os filmes ganhasse uma aura mística que os realizadores do seu partido não poderiam dar. É impressionante ver o quão aguda era a percepção estratégica do ditador maligno.
Um documentário absolutamente obrigatório!

Os Homens que Odeiam as Mulheres (David Fincher, 2011)
Desiquilibrada relação entre as duas linhas de plot:a da acção/intriga e a do lado emocional das personagens. A primeira promete muito e desilude e a segunda permanece crua e por explorar.
Fincher adora sensações fortes e se a sua veia videoclipesca resulta em Seven neste espeta-se ao comprido (de resto, por não se diferenciar minimamente desse filme, não percebo sequer porque foi feito).
Era suposto eu ser conquistado para dureza negra da personagem Lisbeth?!

Morrer como um homem (João Pedro Rodrigues)

El Sur (Victor Erice)

American Master - Documentário sobre Woody Allen (Robert Weide)
Ele faz castings de 5 minutos e pouco dirige os actores. Casting é que resolve. Não há ensaios, apenas sugestões específicas na rodagem que nunca contrariam o instinto do actor no qual baseou a sua decisão de casting - rumo ao naturalismo contido que é o registo de muito dos papéis que cria - (das melancolias à mais broad comedies). Mas os actores fazem o seu tpc por trabalharem para Woody Allen. A rédea longa não funcionaria tão infalivelmente se não conhecessem tão profunda e antecipadamente o seu trabalho e sua importância

Mia Farrow é referida como musa na medida em que a conseguiu conhecer na sua multiplicade, de facetas e personagens, como mulher de quem pode extrair várias coisas.

Filmes não parecem terapêuticos mas paliativos. Digo isto porque as suas questões não se alteraram ao longo das décadas da sua carreira. Faz filmes porque precisa de os fazer para o seu próprio e precário equilíbrio mental falando sobre o seu tema central: a neurose nas suas mais variadas formas.

Ele é de facto imune à fúria autoral de auto-superação. Sempre foi o que foi e nunca quis fazer mais dos seus filmes do que são. Mesmo que nos anos 90 a sua pulsão para a realização tenha deixado de ser produtiva, não deixou de fazer o que lhe apeteceu. Ultimamente, está lá o estilo mas sem substância - grande e única excepção foi o grande Match Point. E isso não o chateia.

Há algo de auto-irónico no pretensiosismo nas suas personagens mas no set e na sala de montagem é completamente terra-a-terra, um exemplo de simplicidade. O manto de grandeza que traz à sua volta parece-lhe de facto não o excitar nem convencer por ser virtual. A mim, parece-me histeria subserviente o estatuto que os anos lhe atribuiram e isso vê-se na sua relação com os festivais e o novoriquismo intelectual dos seus públicos aos próprios actores que o veneram. Por mais que aprecie o seu trabalho.

Dazed and Confused (Richard Linklater, 1993)
Por algum motivo está na lista de filmes preferidos do Tarantino. Algo menos lírico que American Graffiti, o expoente máximo dos coming of age movies. É algo estranha e perturbadora a mistura da comédia com a dureza do que o filme mostra.

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