Avançar para o conteúdo principal

Alguns dos filmes da minha vida nº 6 - Adaptation de Spike Jonze



No filme “Adaptation” de Spike Jonze o protagonista guionista tenta adaptar para cinema uma obra altamente livre e descritiva (literária) sobre orquídeas. Acaba, contudo, por bloquear na sua labiríntica neurose. No auge da sua confusão, é o próprio Charlie Kaufman, o real guionista do filme, que se mete a si próprio no enredo.

É na evocação da orquídea e da sua desarmante e primária beleza que está a verdadeira dimensão do que está verdadeiramente em jogo: de que Charlie no meio da sua desorientação está fascinado com algo natural e primário que transcende a sua existência torturada.

Numa determinada cena Charlie Kaufman, a conselho do seu pragmático e descomplexado irmão gémeo, recorre finalmente ao guru formulaico do guionismo Robert Mckee tentando encontrar respostas concretas para a sua demanda. Para ele a vida, torturada como ele a sente, não cabe nas estruturas de um drama e que nela tudo, ao contrário do drama, permanece irresolvido.
Robert Mckee diz-lhe enfurecido que o drama é uma segregação natural da vida. É esta a ignição para uma resolução e confronto com o fim de todo o idealismo: sobre ele próprio; sobre a vida; e, ainda, sobre a aparente pureza da relação de Susan e Laroche com as orquídeas que Charlie vem a descobrir ser doentiamente dependente.



É esta a particularidade maravilhosa deste filme: somos convidados a observar numa cascata idealista. Através do olhar idealizado e inatingível de Charlie sobre Susana entramos na idealização que a mesma constrói sobre o recolector furtivo de orquídeas e sobre a própria planta enquanto objecto de fascínio primário.

É o filme da minha vida!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 5 - Um Homem Singular

Neste soberbo filme um requintado formalismo, próprio de um fotógrafo/estilista, encontra-se com uma rara humanidade e profundidade da história e das personagens. Há "quadros" absolutamente maravilhosos, um festim sensorial, mas também momentos de pura intuição e sensibilidade. É essa sensibilidade que faz que o exercício estilístico não se sobreponha à pungente magia do seu drama. A subtileza que nos enleia com perfeição (na música e na fotografia, por exemplo) num dia de terminal angústia...a mesma subtileza que eleva Colin Firth a uma interpretação histórica, perfeita! Subtileza que Hollywood detesta: um ano depois premiaram-no pelos seus maneirismos, sempre ao gosto do tio Óscar, no anódino "Discurso do Rei"... É um filme extraordinário ao qual voltarei muitas vezes no futuro!