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Alguns dos filmes da minha vida nº 6 - Adaptation de Spike Jonze



No filme “Adaptation” de Spike Jonze o protagonista guionista tenta adaptar para cinema uma obra altamente livre e descritiva (literária) sobre orquídeas. Acaba, contudo, por bloquear na sua labiríntica neurose. No auge da sua confusão, é o próprio Charlie Kaufman, o real guionista do filme, que se mete a si próprio no enredo.

É na evocação da orquídea e da sua desarmante e primária beleza que está a verdadeira dimensão do que está verdadeiramente em jogo: de que Charlie no meio da sua desorientação está fascinado com algo natural e primário que transcende a sua existência torturada.

Numa determinada cena Charlie Kaufman, a conselho do seu pragmático e descomplexado irmão gémeo, recorre finalmente ao guru formulaico do guionismo Robert Mckee tentando encontrar respostas concretas para a sua demanda. Para ele a vida, torturada como ele a sente, não cabe nas estruturas de um drama e que nela tudo, ao contrário do drama, permanece irresolvido.
Robert Mckee diz-lhe enfurecido que o drama é uma segregação natural da vida. É esta a ignição para uma resolução e confronto com o fim de todo o idealismo: sobre ele próprio; sobre a vida; e, ainda, sobre a aparente pureza da relação de Susan e Laroche com as orquídeas que Charlie vem a descobrir ser doentiamente dependente.



É esta a particularidade maravilhosa deste filme: somos convidados a observar numa cascata idealista. Através do olhar idealizado e inatingível de Charlie sobre Susana entramos na idealização que a mesma constrói sobre o recolector furtivo de orquídeas e sobre a própria planta enquanto objecto de fascínio primário.

É o filme da minha vida!

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