Um documentário é sempre uma leitura emocional e pessoal de um determinado universo e as suas fronteiras são sempre relativas e pessoalmente construídas. Mas pede-se-lhe que seja fecundo no seu olhar para que seja consequente.
A caricatural e cansativa incursão que o filme faz pelo culto da igreja Maradoniana casa bem com o tom geral do filme: todo ele é idólatra. Paira sobre o seu objecto de fascínio ao seu sabor, como se suas palavras fossem divinas, sem contraditório nem polémica.
O deleite pueril com que documenta o seu ídolo faz também com que o eixo condutor seja cronológica e tematicamente altamente confuso.
É com a leitura marxista da nobreza aristocrática dos pobres (na Argentina como nos Balcãs) que Emir se funde com a Diego O Insurrecto: “personagem” criada para este filme: Maradona o defensor da auto-determinação latino-americana (imagine-se!). Ambos excêntricos; dionisíacos (como referiu em Cannes); ambos ricos de espírito.
Mas, na realidade, é fastidioso ouvir o festival de “bocas” que já tantas vezes ouvimos a Diego (não é rapaz que se ouça com grande prazer). Na visita de ambos a Belgrado afinam as suas tiradas anti-imperialistas no cenário pós-bombardeamento NATO. O FMI, os golpes de estado patrocinados; a vitória contra a Inglaterra em 86 como vingança da agressão inglesa nas Malvinas... Esta última é descrita pelo menos 6 vezes no filme, com a repetição do “golo do século” e cartoons de Blair; Thatcher e Bush – tudo ao som dos Sex Pistols (mais uma pitoresca mas desinteressante colagem de personagens – Diego o Punk).
Esta simbiose pessoal é transposta para os respectivos universos familiar, ambos expostos e reunidos no filme. Homens de causas comuns (faz inclusive a auto-citação dos seus filmes para falar de Maradona).
Todo o filme é um desfile de momentos super batidos, que pouco acrescentam aos documentários televisivos já feitos, que nem o momento de homenagem de Manu Chao consegue disfarçar. É um filme egocêntrico: começa com a No Smoking Orchestra em pleno concerto e acaba com ela já com o compincha Maradona a ajudá-lo. “Maradona” aposta sobretudo na sensação e muito pouco na análise. O emocional do projecto domina-o e afasta-o de qualquer reflexão que vá para além do ridículo e generalista ensaio sobre o triângulo Maradona-Freud-Jung (que quer ele dizer com aquilo senhores?!).
Fica a citação mais curiosa e marcante de todo o filme: “se não fosse a cocaína, imaginas o jogador que teria sido?!”. O seu génio, perfil mediático e seu percurso Céu/Inferno continuarão a magnetizar. Mas se alguma divindade se pode atribuir a Diego essa está confinada às quatro linhas, tudo o resto é uma espuma que Emir tentou a toda força sublimar.
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um abraço!