Avançar para o conteúdo principal

O Wrestler - realidade sem sumo


De vez em quando aparece um filme assim, que nos deixa abananados! Aconteceu-me ontem! Fui ver O Wrestler.

Há raros e mágicos momentos em que o cinema e a vida se fundem. Neste caso a afinidade emocional entre o protagonista e Mickey Rourke é mágica. Faz um filme(já excelente) transcender-se. É um papel emocionante e corajoso o dele. De alguém que supera uma fase obscura da vida e decide culminar sua catarse à frente de todos. Mostra a sua cara o seu corpo desgastado. Mostra as suas fraquezas pessoais, assume os seus erros.

Está bem presente no filme o choque entre os dois papeis sociais do seu protagonista. Quando a sua vida íntima e familiar fracassa, refugia-se na persona wrestler Randy the Ram (no filme recusa frequentemente que o tratem pelo seu nome civil). De resto, também a brutalidade das cenas de lutas colide com as expressões de carinho e respeito que merece dos seus colegas de profissão - a única constante afectiva da sua vida.
Como se a realidade não tivesse sumo que chegue, decide levar até ao fim a sua revolta num climax dramático fortíssimo que mostra a sua negação do mundo e do seu papel nele.

Durante o filme, parece que a redenção está ao seu alcance mas... tal como na vida, a mudança é um processo. Envolve dor, retrocesso e sucessos graduais e pequenos. Parece-me que mostrar inflexões numa personagem é quase uma obrigação narrativa tácita para todo o autor de cinema. Há sempre implícita uma viagem de transformação que nem sempre (ou poucas vezes) aconteceria na realidade. Há quem diga que o cinema é a sublimação da realidade, que deve ser melhor do que a vida. Não me parece ser esse um objectivo do cinema em si. Negar tão magistral filme com esse absolutista argumento seria seguramente injusto.

Comentários

Johnny disse…
the wrestler....wrestling in the couch is the next step...:D

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bon...