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O Wrestler - realidade sem sumo


De vez em quando aparece um filme assim, que nos deixa abananados! Aconteceu-me ontem! Fui ver O Wrestler.

Há raros e mágicos momentos em que o cinema e a vida se fundem. Neste caso a afinidade emocional entre o protagonista e Mickey Rourke é mágica. Faz um filme(já excelente) transcender-se. É um papel emocionante e corajoso o dele. De alguém que supera uma fase obscura da vida e decide culminar sua catarse à frente de todos. Mostra a sua cara o seu corpo desgastado. Mostra as suas fraquezas pessoais, assume os seus erros.

Está bem presente no filme o choque entre os dois papeis sociais do seu protagonista. Quando a sua vida íntima e familiar fracassa, refugia-se na persona wrestler Randy the Ram (no filme recusa frequentemente que o tratem pelo seu nome civil). De resto, também a brutalidade das cenas de lutas colide com as expressões de carinho e respeito que merece dos seus colegas de profissão - a única constante afectiva da sua vida.
Como se a realidade não tivesse sumo que chegue, decide levar até ao fim a sua revolta num climax dramático fortíssimo que mostra a sua negação do mundo e do seu papel nele.

Durante o filme, parece que a redenção está ao seu alcance mas... tal como na vida, a mudança é um processo. Envolve dor, retrocesso e sucessos graduais e pequenos. Parece-me que mostrar inflexões numa personagem é quase uma obrigação narrativa tácita para todo o autor de cinema. Há sempre implícita uma viagem de transformação que nem sempre (ou poucas vezes) aconteceria na realidade. Há quem diga que o cinema é a sublimação da realidade, que deve ser melhor do que a vida. Não me parece ser esse um objectivo do cinema em si. Negar tão magistral filme com esse absolutista argumento seria seguramente injusto.

Comentários

Johnny disse…
the wrestler....wrestling in the couch is the next step...:D

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