Avançar para o conteúdo principal

Irmãos, Mentiras e Mentiras

Brotherhood - the castBrotherhood (ou A Irmandade) retrata o limbo pernicioso em que vive uma família num bairro étnico irlandês nos arredores de Rhode Island – The Hill.

No centro da trama está a relação amor-ódio entre dois irmãos em lados opostos da lei mas unidos, sobretudo, pelas obrigações familiares. Que é como quem diz por uma mãe controladora com quem já tive pesadelos (podia ser minha sogra, não brinquem).

A profundidade das personagens é tal que é frequente sentirmos que as acções do ganster Michael são mais próximas da justiça do que as do político de vão de escada Tommy.

O espectador não é aliás, o único a ser arrebatado pela compaixão pelo ganster. Rose tem uma preferência visceral (aliás, tudo nela é visceral) pelo filho mais velho. Também o policia e amigo Declan vive dilacerado entre o charme da fidelidade ao ganster e as suas obrigações profissionais.

Michael vende droga, extorque dinheiro, corta orelhas mas dentro de um quadro de honra e de fidelidade que não se verifica na City Hall onde Tommy se move. Vejo como aqueles políticos corruptos operam e até a mim me dá vontade de cortar uma orelha aqui e ali.

É esta dualidade que nos tira o tapete de debaixo dos pés e nos retira as referências branco/preto, bom/mau.

Não é inovador nesse sentido, bem sei. Os Sopranos já o faziam e a retratar o mesmo tipo de realidade. Mas Brotherhood oferece uma realidade tão desmaquilhada e despretensiosa que qualquer um de nós podia lá estar e viver aqueles mesmos dilemas. E pessoalmente, essa franqueza prende-me mais a Brotherhood do que aos Sopranos. Porque sinto o perigo deles mais próximo, mais real. E, verdadeiramente, temo por eles. Como se de meus familiares se tratasse.

Brotherhood desvenda um grupo de personagens unidos pela força do hábito e pela necessidade de sobrevivência. E esse equilíbrio frágil cria um ambiente de iminência de desgraça que nos agarra de tal forma que já acumulei máquinas e máquinas de roupa para me poder ir assegurando de que nada de mal lhes acontece.

The Hill não é mais do que uma comunidade cuja união tem mais buracos que um queijo suiço. Um pouco, aliás, como a minha família.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

O Referente de Cavaleria Rusticana - de Scorsese a Coppola

Cavaleria Rusticana é uma peça musical de Pietro Mascagni, estreada em 1890 no Teatro Constanzi em Roma, e baseada num peça escrita por Giovanni Verga. Foi a ópera que disseminou o mito do cavalheirismo rústico dos sicilianos. Uma história de ciume e vingança passada entre os camponeses da Sicília.  Fala de honra, duelos, vendettas.  Foi porventura das primeiras referências culturais ao tal espírito siciliano que mais tarde vieram simplistica e de forma generalista a associar à máfia. A palavra "mafia" deriva do adjectivo siciliano mafiusu, como raízes no árabe mahyas, que significa "alarde agressivo, jactância" ou marfud, que significa "refeitado". Traduzido livremente significa bravo. Desde a sua composição e exibição que vários autores, sobretudo sociólogos, trataram de desconstruir os  pejorativos lugares comuns de cavalheirismo rústico que a ópera corporizou. Mas será sempre uma peça musical que arrasta consigo um referente muito forte que ne...