Avançar para o conteúdo principal

Traição do Legado








Resisti a vê-lo enquanto nos cinemas para não estragar a minha relação estreita com o seu antecessor mas acabei por vê-lo ontem num voo longo que carecia de estímulo. A continuação de "Wall Street" com este "O Dinheiro Nunca Dorme" é a idiotice que esperava.






Foi claramente o pretexto político-económico que precipitou Oliver Stone neste projecto e não, de todo, uma noção amadurecida de história e evolução das personagens. Recuperou Wall Street para denunciar os Hedge Funds, não voltou de forma pensada e coerente ao projecto. A este respeito há diálogos que são monólogos e voice overs ultra-explicativos. Stone não quis deixar pitada de fora: que toda a gente perceba o que se passa! É grosseira esta tentação de compêndio!



A recuperação desleixada de uma série de elementos do filme de 87 é evidência deste facto. A fotografia, a repetição do datado split screen... A OST de Wall Street era muito 80's e David Byrne (com Brian Eno) já cantava o lar e identidade fugidias com "This must be the place". A recuperação desta colaboração é também ela e forçada e até a temática do "home" é reciclado sem ponta de imaginação. Para além disto também o casting está cheio de soluções fáceis (quantas vezes teremos que ver Eli Wallach no papel de decano reverenciado).




A ideia base é frágil demais para algo de consequente se conseguisse. Recuperamos Gekko depois de cumprir a sua pena de prisão e no final é uma ecografia obstétrica do neto que agita finalmente a ortodoxia empedernida do mítico Gordon Gekko - só para terem uma ideia;)

Um filme é propriedade colectiva intemporal. O seu lugar no imaginário é, contudo, dinâmico. Os filmes de Roger Corman, por exemplo, foram de lixo a culto. Já Pulp Fiction foi de culto a pop. Wall Street era um filme que resistia bem ao teste do tempo e que foi assim amesquinhado e estará para sempre amarrado a esta pseudo-sequela. Há mais filmes que trairam assim o seu legado. Lembro-me do infame "Padrinho, Parte III" e dos "Tubarões II" ao IV, de "Chinatown" e a sua sequela "Two Jakes". Mas constato, felizmente, serem exemplos que contrariam o meu pessimismo e que não perderam o seu estatuto de excelência com as respectivas infelizes ideias de continuação.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i...

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a cria...

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bon...