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Convidado de Honra nº1 - A Distribuição Cinematografica e o Guionismo - Entrevista a Jorge Dias da Vitória Filmes




Pedi a Jorge Dias da Vitória Filmes para nos descrever um pouco a sua visão sobre contexto actual do audiovisual português com especial enfoque da relação do sector da distribuição com o guionismo:

De que formas vos são propostos filmes a distribuir? Com que frequência tomam a decisão na compra dos seus direitos com base num guião? Os filmes são nos propostos em várias fases da sua produção, desde a fase em que só existe um guião, até à última fase, em que o filme está pronto para ser exibido. A decisão na compra dos direitos com base num guião ocorre por diversas vezes, sempre nos mercados que se realizam para o efeito, sendo os principais, Berlim, Cannes e Los Angeles.

Nos casos em que isto acontece, que critérios concorrem para a respectiva selecção? Que procuram num guião?
O principal critério que temos em conta ao ler um guião prende-se com a qualidade do mesmo. Apesar de ser um critério bastante subjectivo, fundamentamos as nossas escolhas recorrendo a análises do histórico dos filmes desse argumentista, e dos respectivos resultados em Portugal. Além disso, quando já existe um realizador e/ou actores associados a esse projecto, procedemos ao mesmo tipo de análise para confirmar se a relação custo/benefício é encorajadora. Também existem casos, poucos mas acontecem, em que a qualidade do guião por si só é suficiente para arriscarmos a sua compra.

Já se inventou tudo para chamar espectadores às salas de cinema? Que mais se pode fazer? Nunca podemos dizer que já tudo foi inventado, e que os espectadores de cinema já viram tudo o que tinham para ver, mas na minha opinião a falta de originalidade e criatividade é a grande pecha de muito cinema, causadora do afastamento de muitos espectadores. Hoje em dia, o cinema concorre com inúmeras formas de entretenimento e só se conseguem levar as pessoas às salas de cinema com filmes que sejam capazes de as surpreender. Desde que se consiga manter uma distribuição plural, sem descurar os filmes independentes que muitas vezes conseguem extrapolar os seus nichos de mercado e alcançar bons resultados, os espectadores surgirão. É tudo uma questão de oferta e procura, consoante os gostos cinematográficos de cada um. Se a oferta for boa, tendencialmente a procura também o será.

Onde residem as principais limitações ao sucesso comercial do cinema português?
O principal problema reside no reduzido número de produções portuguesas. Em 2007 estrearam 17 filmes portugueses nas salas de cinema. É muito pouco. Independentemente do carácter comercial ou de autor, se não houver um número de produções cada vez maior, o público não tem opções para ver cinema português.

Que mudanças no audiovisual português significou já a criação do FICA? A criação do FICA pode e deve levar a um aumento significativo no número de produções nacionais a chegarem aos ecrãs. Esta é a grande mudança. Mesmo levando em conta que o FICA procura nos projectos que aprova uma vertente mais comercial que o ICA, acho que todos vão ficar a ganhar. Não conheço nenhum país cuja cinematografia se baseie apenas em cinema comercial ou somente em cinema de autor.

Perspectivas dos efeitos da crise no sector do cinema em geral e da distribuição em particular?
A crise financeira tem afectado transversalmente o sector do cinema. Desde a produção, com projectos a serem cancelados ou adiados indefinidamente devido a falta de financiamentos bancários, até á promoção e respectivas receitas de bilheteira. Existe um fosso cada vez maior entre os filmes mais vistos e os restantes, pois o entretenimento é das primeiras coisas de que se abdicam quando a crise aperta, e em vez de 2 ou 3 idas ao cinema por mês, passa-se a ir só 1 ou deixa-se mesmo de ir.

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