Avançar para o conteúdo principal

Uma História de Violência - Tentação Criminológica



Do paradigma freudiano ao modelo bio-médico e à reflexão sociológica, algumas afinidades conceptuais emergem na teoria da violência: autoridade e conformidade e desvio, identidade…
Contudo, o filme “Uma História de Violência” não tenta uma abordagem genética da violência nem se arroga de qualquer polemização criminológica. Fosse essa a intenção e a análise de background e a flashbacks contextuais seriam recursos impreteríveis.
O primeiro terço do filme dá-nos mitologia harmónica da ruralidade, uma conformidade às normas frugal e semi-western. O retrato de harmonia reproduz-se no ambiente familiar com uma definição clara de papeis – potenciado pelo minimalismo positivo do registo musical.
O incidente central e respectivas consequências remetem-nos para uma análise do universo identitário da personagem. O tema recentra-se então numa busca pessoal – a preservação do sentido atribuído à auto-noção da personagem e a todo o inerente processo de construção das suas referências de conformidade (os clichés e estereótipos que povoam a primeira parte do filme têm desta realidade um papel ilustrativo: desde o papel convencional de chefe de família extremoso e marido apaixonado, ao emprego auto-criado e ao papel de cidadão exemplar exaltado pela comunidade). Neste diálogo identitário reside a riqueza do filme. O arsenal conceptual associado à teoria da violência está lá, sem que seja mobilizado para um mergulho do terreno movediço da causalidade do comportamento desviante.
Nessa causalidade e repescagem de passados e infâncias reside, em muitos filmes, o principal obstáculo à verosimilhança. Intuo que "Uma História de Violência" não seria o grande filme que é se tivesse sucumbido a tão comum tentação.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Convidado de Honra nº 5 - Jorge Vaz Nande e "As Portas"

Jorge Vaz Nande é colaborador das Produções Fictícias, onde, entre outras funções, gere os conteúdos do blog da empresa. É argumentista da empresa de conteúdos "Bode Expiatório". Fala-nos de várias questões relacionadas com o cinema e guionismo e, em particular, do seu último e original projecto "As Portas". Na tua colaboração com o Bode Expiatório: o trabalho que fazes tem sido feito sobretudo em equipa? Sim, num processo de colaboração e discussão que muitas vezes se estende da equipa criativa até às de produção e artística. Quando trabalhas em equipa, como se gerem diferentes sensibilidades? Quando várias ideias estão na mesa qual costuma ser o processo de decisão? É primordial que os participantes num brainstorm se dêem bem e tenham respeito mútuo pelas ideias de todos. A partir daí, a discussão das soluções criativas faz-se de comum acordo, tendo em conta a sua exequibilidade e eficácia. Existe alguma hierarquia criativa ou todas as vozes são iguais? Todas as i

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - Unbreakable de M.Night Shyamalan

Um dos filmes da minha vida! Character study realista e mitológico - o ponto alto da matriz do seu realizador. Permanece, desde o seu visionamento no cinema, uma dúvida no meu espírito, que me perturba quando ainda hoje o revejo. Talvez esteja aí um dos motivos mais profundos do meu fascínio O protagonista do filme é obviamente o pai e é o seu percurso de descoberta identitária o foco central do filme. Mas assombram-me as consequências identitárias que a descoberta do estatuto de herói projecta no filho, tema naturalmente não explorado no filme.  Ao natural, e próprio da infância, endeusamento do pai a criança, na sua busca de um espaço vital, vai no processo de formação da sua personalidade tentar deseroicizar e desmistificar a figura paterna para encontrar e construir a sua identidade. Esse processo é neste caso subvertido pela “realidade” do pai-herói. O futuro identitário do rapaz é das questões ocultas que mais me inquieta quando revisito Unbreakable . Como vai a criança

Notas Soltas e Esporádicas 1 - A continuidade intensificada ou ADD

Dos primórdios até aos dias de hoje assistimos a um aumento prodigioso do número de planos por filme numa perspectiva cada vez mais feroz e sofisticada de “chocar” e surpreender as plateias com novas e poderosas estratégias de ênfase narrativo. O teórico David Bordwell chamou-lhe continuidade intensificada.  Quatro técnicas em particular foram, para ele, centrais neste paradigma estilístico: 1)  Montagem crescentemente rápida: entre 1930 e 1960 cada filme de Hollywood continha um nº médio de planos entre os 300 e os 600. O que dava uma duração média por plano entre os 8 e os 11 segundos. Em 2000 um filme como Almost Famous tinha já 3,8 segundos por plano, a título de exemplo. 2)  Extremar das distâncias focais escolhidas: a continuidade tem crescentemente sido intensificada também pelo uso polarizado de objectivas e respectivas distâncias focais para ênfase visual permanente da ação. Um dos marcos nessa evolução foi, por exemplo, o filme de Arthur Penn “Bonny and Clyde”