O filme retrata a história de um funcionário de um crematório que cultiva um fascínio voyeurístico por uma enfermeira que vive à sua frente. Trata-se de um fascínio algo infantil e sem malícia mas obsceno na sua forma. Nesta contradição de tom está a riqueza desta obra.
O realizador dizia em entrevista que havia no filme uma ambiguidade moral: que se ao mesmo tempo vemos como condenável a intrusão na intimidade de Ana também compreendemos a solidão e motivos emocionais do protagonista. Eu não vi essa equidistância moral. O tom trágico e o centro exclusivo da narrativa no mesmo e o retrato de austeridade e crueldade da punição levam-nos claramente para o lado de Okrasa. A este olhar libertário não é alheio creio, o percurso de dissidência e exílio políticos do realizador Jerzy Skolimowski na reprimida Polónia comunista em que estudou Belas Artes.
Mas este não é uma limitação do filme mas antes a sua grande virtude. Vivemos por dentro a solidão do homem, as suas obsessões. Num cenário de muros e paredes: (belíssima cena final) a incomunicabilidade da dor é total.
O filme sugere essa rotina de vácuo emocional com a repetição de planos e situações. Não é um filme estetizado. Cada imagem está lá para transmitir a solidão: a paisagem e a fotografia monocromáticas (é de facto um filme sem “cor”) e os cenários são também eles rudes e desprovidos de optimismo; a profissão é insensível; assim como a paisagem; a punição cruel; o protagonista estigmatizado e violentado.
Ainda assim apesar dos elementos de fealdade enumerados é difícil não atribuir espontaneamente alguma beleza e candura aos gestos de protecção e pura devoção a uma imagem (Ana e sua vida visível da janela) que se apresenta real e em carne aos olhos do protagonista.
O filme tem pouquíssimos diálogos. Conta uma história com avanços e recuos mas acima de tudo dá-lhe tempo, deixa-a respirar. A trama é simples e é na sua força simbólica que o filme se concentra.
As incursões nocturnas da casa da vizinha ocupam são deliciosamente coreografadas. A dedicação e hesitações de Okrasa jogam com os suspiros e as pulsões da Ana no seu profundo sono. Como se ambos tivessem num jogo de desejo e repressão.
A cena de confronto final entre os dois mostra que são as balizas da normalidade (entenda-se defesa formal da esfera privada) que impõem a sua lei vencendo o sofrido mas sincero idealismo. A este propósito o alcance metafórico e alegórico da história, (das janelas, portas, árvores, gradeamentos que amiúde preenchem o primeiro plano, por exemplo) é óbvio tendo, por esse motivo, o filme evitado contextualizar cronológica e espacialmente a sua acção (excepção feita aos despojos dos kholkozes polacos).
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