Estive no Festival de Cinema do Estoril com Stephen Frears. Digo “estar com” porque ser essa a sensação que transmite: acessível; modesto e auto-irónico.
Preocupou-se em se destituir de uma mágica intuição. Tem um metier que aperfeiçoou que tenta cumprir com rigor e respeito pelas regras. Evocando o Studio System e a preponderância que produtores assumiam no resultado fílmico final assumiu que nenhum dos seus projectos foi pensado de raiz por si. Sempre baseou a escolha em propostas concretas e leituras de guiões.
Assumiu alguma “magia” (entenda-se intuição) em fases como esse momento de decisão pessoal na escolha de projectos; apresentou também a colaboração técnica como um processo não pensado ao milímetro, o enquadramento é decidido no próprio dia num diálogo técnico multidisciplinar que faz do realizador a síntese e não o capataz artístico num processo em que a espontaneidade criativa tem papel de relevo.
Mas abordado por um casal de apaixonados noivos que lhe agradeceram a oportunidade que um visionamento de Alta Fidelidade proporcionou ao seu amor com correspondente convite para a boda respondeu (rindo):”Muito obrigado! Mas não me venham pedir contas se der em divórcio.” Na realidade ao alcance poético e imaginário de algumas das perguntas respondeu com a simplicidade de quem conhece a limitação do seu médium. “Se na minhas escolhas de realização está plasmada uma premissa de vida, um desígnio maior? Acabei de juntar duas pessoas, que mais posso eu querer?! Já é bem bom!” - de volta ao realismo.
Também é esse o registo da sua obra. Filma o lado obscuro das suas personagens. Pessoas ordinárias em circunstâncias extraordinárias (Estranhos de Passagem de 2002; Anatomia de um Golpe de 1990; Mary Reilly de 1996), mas também retrata “um rapaz que está a crescer” (assim se referiu à personagem de John Cusack em Alta Fidelidade), rapazes que não sabem como crescer (pareceu-me ser esse o tema do inédito Bloody Kids, de 1979, projectado antes da conferência). Expõe-nos cruamente à inconsistência dos seus protagonistas e contextos duros em que se inserem mas fá-lo sempre com a sobriedade e “pés-na-terra” que definiram a sua carreira – a forma quase telefílmica e equidistante (quase bondosa) como dissecou o “par” Blair-Rainha Elisabeth (2006) é coerente com esse desígnio: uma forma muito própria de perturbar sem repugnar,
de ser politicamente incorrecto dentro dos limites da correcção.
Frears parece ser daqueles realizadores que parece querer fugir à auto-reflexividade própria da retrospecção de uma carreira de décadas. Na realidade deve ser difícil num processo que tem tanto de espontâneo como de aparentemente aleatório definir coerências e um fio condutor a obra de uma vida. Ele descreve as suas escolhas como meros contratos de trabalho decididos conforme o humor do momento e ao potencial intrínseco dos projectos que lhe chegam às mãos. Deixo-vos com uma citação bem sintética e ilustrativa de tão pragmático, quanto singular, realizador:
“A friend asked me why I thought I’d been able to direct films for 30 years and I really didn’t have an answer,” he says. “It is a very difficult industry and grinds up talent unmercifully. I don’t know if this explains anything, but I recently caught the last part of The Hit on television and my reaction was a kind of puzzlement as to why I hadn’t made more films like that, in style and attitude.
Here’s basically what happens. Through the process of working and getting a variety of experience, your craft is going to improve. You know what has to be done and what’s involved in getting it on film and you take a professional pride in the work. When you’re starting, what you chiefly have is energy and passion and that will go a long way to cover a certain amount of funkiness in how you tell a story. But you’re never going to make a film late in your career the way you made it at the beginning and to try to is insane.” (fonte: http://www.moviecitynews.com/Interviews/frears.html )
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