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A mostrar mensagens de 2013

Arcade Fire e o Cinema

A minha banda preferida está de regresso com o single que dá nome ao álbum:  Reflektor. Para mim é de uma solidão histórica que me parece falar a música. Um músico cria hoje em dia com uma aguda auto-consciência histórica que a melomania à distância de um clique permite.   Todos querem validar o seu papel e singularidade nessa continuidade histórica que tão bem conhecem e amam. Por isso fazem-no cada vez mais num clima de vertigem da novidade. Exaltamos esfomeadamente qualquer prenúncio de autenticidade. Procuramos constantemente um messias, um game changer . Alguém que habite com voz própria o presente vislumbrando-o de fora, pairando sobre a história e o passado - um mundo espectral de reflexos e fragmentos. Em Reflektor a brevíssima participação David Bowie é a assunção irónica de um pai artístico, da influência maior da banda. Um arquétipo a que a letra empresta o papel de falso redentor. Ele é a presença da avant garde que com o tempo se canonizou e que desde en

"A Gaiola Dourada" e a Celebração do Cliché

Há, no filme “A Gaiola Dourada” um geunino carinho de Ruben Alves pelo estereotipo. Ele próprio faz da sua aparição no filme uma afirmação de caricaturalidade. É próprio de alguém bastante inteligente (e/ou esperto) que não quis de todo alienar públicos-alvo e, muito menos, produzir qualquer desconforto na sua comunidade de origem.  Mas também alguém que tentou consciente e integramente ordenar e pôr em jogo uma constelação de ideias e imaginários com que sempre conviveu. Lembrei-me de uma citação de Umberto Eco em torno de Casablanca (salvaguardando as devidas diferências de peso entre os filmes): " Casablanca não é apenas um filme. É muitos filmes, uma antologia [...] Dois clichés fazem-nos rir. Cem clichés tocam-nos. Porque sentimos que eles estão, de alguma forma, a falar entre eles e a celebrar uma reunião" . "A Gaiola Dourada" é uma sublimação da vida que dispensa profundas escavações sociológicas para fixar e ao mesmo tempo relativizar, de um

Alguns dos Filmes da Minha Vida nº 7 - O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, de Andrew Dominik

Decidi rever “O Assassinato de Jesse James pelo cobarde Robert Ford”. Este filme tem finas e obscuras camadas de psicologia. Tem uma deliciosa componente literária sublinhada por uma voice over omnisciente, quente mas “académica”. Tem uma maravilhosa consistência de tom. É de hipnose que se tece a palete de castanhos e preto, a banda musical de “sonho” e uma lógica de contemplação que respeita o tempo do drama. Por paradoxal que pareça alguns críticos (sobretudo americanos) queixam-se do contrário usando a mesma grafia que eu: “it lacks tempo!”, dizem sonolentos. É a alvorada da cultura de celebridade que vemos no filme. E as respectivas reflexões e refrações que tão actuais permanecem. O mito de Jesse James foi ao longo dos tempos revisto e deseroicizado. Vários historiadores o colocaram no contexto do estertor confederado e guerrilheiro pós-guerra civil americana. E no entanto há qualquer coisa de ironicamente elegíaca que este filme preserva que não deixo de ver

O Referente de Cavaleria Rusticana - de Scorsese a Coppola

Cavaleria Rusticana é uma peça musical de Pietro Mascagni, estreada em 1890 no Teatro Constanzi em Roma, e baseada num peça escrita por Giovanni Verga. Foi a ópera que disseminou o mito do cavalheirismo rústico dos sicilianos. Uma história de ciume e vingança passada entre os camponeses da Sicília.  Fala de honra, duelos, vendettas.  Foi porventura das primeiras referências culturais ao tal espírito siciliano que mais tarde vieram simplistica e de forma generalista a associar à máfia. A palavra "mafia" deriva do adjectivo siciliano mafiusu, como raízes no árabe mahyas, que significa "alarde agressivo, jactância" ou marfud, que significa "refeitado". Traduzido livremente significa bravo. Desde a sua composição e exibição que vários autores, sobretudo sociólogos, trataram de desconstruir os  pejorativos lugares comuns de cavalheirismo rústico que a ópera corporizou. Mas será sempre uma peça musical que arrasta consigo um referente muito forte que ne

Entrevista à Le Cool sobre a estreia de "Estórias"

É já dia 1 de Abril às 21:30 (São Jorge 1) que estreia o meu novo filme: Estórias http://www.facebook.com/estoriasofilme Falei sobre ele e vários outros assuntos com Rafa, da Le Cool. a primeira vez que falámos, o cinema preenchia uma parte importante da tua vida, mas surgia acessório. Neste momento, uns quantos anos passados por tabela, já se te assume a função de realizador.  Conta-me lá este teu percurso cinemático.  Para alguns, à arte deve estar anexa uma pureza desinteressada, uma espécie de glorificada diletância precária. Eu acredito profundamente no artista profissional e tenho investido séria e disciplinadamente em aprofundar a minha relação com o cinema para que dele possa um dia viver. Poderei morre a tentar mas morrerei feliz.  Depois de " N atália - a Diva Tragicómica", surges com um segundo filme, o "Estórias", onde acompanhas quatro pessoas - não personagens, talvez - relacionadas a Lisboa de uma forma bastante diversa. Que "Estórias

Música Narrativa nº 7 - "Última Hora" de Spike Lee, OST de Terence Blanchard

Foi das mais referências culturais ao 11 de Setembro feitas mais a quente, esta obra-prima que anexou a perda do seu protagonista, um traficante de droga no seu último dia de liberdade, ao desnorte da nação americana. Não é dispicienda esta referência. Estavam os EUA aturdidos e a ferida acabadinha de abrir. Palpita-me que esse ímpeto Spikeano (o mesmo que o levou a documentar New Orleans pouco tempo depois do Katrhina) e a ausência de distanciamento histórico são, curiosamente, os seus ingredientes mágicos. Assim, Spike Lee assume desde o início do filme a sua sobrecarga emocional. O filme segue num registo transbordante e trágico que se entranha e não mais larga nem o deixa respirar e em que esta peça de Terence Blanchard é central. Está em loop por todo o filme e disfarçado inclusive na sua diegese e ,com ela, paira um destino traçado e a profundidade das mágoas e culpas de Monty (Edward Norton) aqui está o seu pico dramático: The Last Walk É das coisas mais tristes e ten

Notas Soltas - "E a Vida Continua" de Abbas Kiarostami

E a Vida Continua - Abbas Kiarostami, 1992 Por diversas ocasiões neste filme balançamos entre as subjectividades, do filho e do pai, e planos muito gerais que apequenam. Vejo neste dispositivo o elemento de humanidade documental que torna os seus filmes tão únicos. Entre a composição e a realidade está o seu território emocional. Várias vezes me lembrei, a este propósito, de Close-Up, um dos meus filmes preferidos. No plano final (também ele muito geral) está um exemplo genial de um minimalismo que maximaliza. Um pequeno nada que muito diz. Sensibilidade e talento de mão bem apertada!

Cenas da Minha Vida nº 6 - Cena Final de Chinatown

De Chinatown diz-se ser o melhor dos guiões (canónicos) de todos os tempos. Desde o estabelecimento do tom e ambiência - uma LA minuciosamente seca e desolada - à exposição e gestão da informação - milimétrica  - passando pela composição das personagens e progressão da acção - todas as cenas concorrem para ambas o que, de acordo com a fórmula, é o que se quer. Mas apesar do genial argumento de Robert Towne é o próprio Roman Polanski que fugindo às pretensões de happy ending do produtor escreveu esta cena final que marca, com o seu quintessencial cinismo, o filme e verdadeiramente o catapulta para a eternidade. Depois de uma longa investigação percebemos que Chinatown é, no final, um estado de espírito, um lugar obscuro, macabro, e ininteligível da alma humana que nem um investigador policial consegue realmente prescrutar. É, curiosamente, um elemento de ambiguidade que estabelece a intemporalidade do filme e que, paradoxalmente, dá asas e dimensão à perfeição de relojoeiro do arg

Novo Filme! Documentário com o Senhor do Adeus - "Estórias"

Apresento-vos o meu novo filme: Estórias É um documentário onde João Serra - o Senhor do Adeus - é motivo central. Até que as datas de exibição pública estejam fixadas deixo-vos o trailer: