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Arcade Fire e o Cinema


A minha banda preferida está de regresso com o single que dá nome ao álbum:  Reflektor.


Para mim é de uma solidão histórica que me parece falar a música.

Um músico cria hoje em dia com uma aguda auto-consciência histórica que a melomania à distância de um clique permite.  

Todos querem validar o seu papel e singularidade nessa continuidade histórica que tão bem conhecem e amam. Por isso fazem-no cada vez mais num clima de vertigem da novidade. Exaltamos esfomeadamente qualquer prenúncio de autenticidade. Procuramos constantemente um messias, um game changer. Alguém que habite com voz própria o presente vislumbrando-o de fora, pairando sobre a história e o passado - um mundo espectral de reflexos e fragmentos.

Em Reflektor a brevíssima participação David Bowie é a assunção irónica de um pai artístico, da influência maior da banda. Um arquétipo a que a letra empresta o papel de falso redentor. Ele é a presença da avant garde que com o tempo se canonizou e que desde então reflecte a sua influência global com um peso tutelar. Não há como fugir-lhe e de alguma forma não o reflectir. É da impossibilidade da linguagem artística individual e a angústia do criador que a canção me parece falar.  


Esta glorificação do indie e uma auto-consciência  que seca é território por excelência do cinema actual . É toda uma cinefilia instantânea e democratizada que olhando com vénia o cânone o tenta desesperadamente e paradoxalmente superar. Procura-se o iluminado que citando ou desconstruindo a história do cinema consiga superar academismos, atavismos, dominâncias, figuras tutelares. Proliferam propostas de autenticidade e independência espiritual por esse mundo fora, por esses festivais adentro...

Mas será a individuação, na música como no cinema, uma tarefa inglória?

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