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A mostrar mensagens de dezembro, 2008

Uma História de Violência - Tentação Criminológica

Do paradigma freudiano ao modelo bio-médico e à reflexão sociológica, algumas afinidades conceptuais emergem na teoria da violência: autoridade e conformidade e desvio, identidade… Contudo, o filme “Uma História de Violência” não tenta uma abordagem genética da violência nem se arroga de qualquer polemização criminológica. Fosse essa a intenção e a análise de background e a flashbacks contextuais seriam recursos impreteríveis. O primeiro terço do filme dá-nos mitologia harmónica da ruralidade, uma conformidade às normas frugal e semi-western. O retrato de harmonia reproduz-se no ambiente familiar com uma definição clara de papeis – potenciado pelo minimalismo positivo do registo musical. O incidente central e respectivas consequências remetem-nos para uma análise do universo identitário da personagem. O tema recentra-se então numa busca pessoal – a preservação do sentido atribuído à auto-noção da personagem e a todo o inerente processo de construção das suas referências de conformida

Zidane - Um Retrato do Século XXI

Tão antiga quanto a humanidade é a necessidade de dar sentido ao real. Dramatizamos uma série de eventos impessoais empregando o exagero, ironia, inversão: ferramentas dramaturgicas que lhes conferem significado emocional. É assim numa banal descrição meteorológica como numa narração futebolística. Ela é mitológica e provida de princípio/meio/fim. A descontextualização espacio-temporal que o filme nos oferece é uma atitude: a negação dos artifícios do drama que torna o futebol um produto inteligível, logo consumível. O filme sugere, através de citações do próprio atleta, que a memória é fragmentária e frágil. Ora é nessa fragilidade que assenta o monstro mediático – e toda a produção, dramatizada, de significados e concepções mitológicas do desporto. Acelerando a sucessão de "princípio/meio/fim´s" fazem das recordações espuma. Uma, logo outra e mais outra. Poder-se-ia sugerir que o objectivo do filme seria igualmente bem cumprido com uma montagem de meia-hora sem nos sujeita

Dupla Face da Lei - Lendas Vivas?

Algo se passou com Al Pacino. Quem o viu com admiração a transformar-se no zombie Corleone e sua expressão gélida e vazia já não suporta o histriónico e sobrevalorizado actor em que se transformou nas últimas décadas (não estranha que tenha tido no fraco “Perfume de Mulher” o típico Óscar fora de tempo). Também De Niro se entregou a um sem número de papeis planos. Este estado de economia artística a que chegaram tem em “A Dupla Face da Lei” o seu clímax e fica provado que a um argumento idiota e estereotipado nenhuma lenda viva pode acorrer e salvar. O filme explora a temática dos limites morais do polícia com os instrumentos míticos fetiche: o capitão cauteloso e castrador; os internal affairs metediços e burocratas e o obrigatório psiquiatra de serviço. A deriva moral e justiceira do bom polícia é muito mal fundamentada e é um dos pormenores (porventura o mais grosseiro) que mais fere de morte a credibilidade de toda a trama. Até os diálogos e a troca de bitaites espirituosa e vernac

Stephen Frears - O Artesão

Estive no Festival de Cinema do Estoril com Stephen Frears. Digo “estar com” porque ser essa a sensação que transmite: acessível; modesto e auto-irónico. Preocupou-se em se destituir de uma mágica intuição. Tem um metier que aperfeiçoou que tenta cumprir com rigor e respeito pelas regras. Evocando o Studio System e a preponderância que produtores assumiam no resultado fílmico final assumiu que nenhum dos seus projectos foi pensado de raiz por si. Sempre baseou a escolha em propostas concretas e leituras de guiões. Assumiu alguma “magia” (entenda-se intuição) em fases como esse momento de decisão pessoal na escolha de projectos; apresentou também a colaboração técnica como um processo não pensado ao milímetro, o enquadramento é decidido no próprio dia num diálogo técnico multidisciplinar que faz do realizador a síntese e não o capataz artístico num processo em que a espontaneidade criativa tem papel de relevo. Mas abordado por um casal de apaixonados noivos que lhe agradeceram a oportun

4 Noites com Ana – A Solidão…incomunicável.

O filme retrata a história de um funcionário de um crematório que cultiva um fascínio voyeurístico por uma enfermeira que vive à sua frente. Trata-se de um fascínio algo infantil e sem malícia mas obsceno na sua forma. Nesta contradição de tom está a riqueza desta obra. O realizador dizia em entrevista que havia no filme uma ambiguidade moral: que se ao mesmo tempo vemos como condenável a intrusão na intimidade de Ana também compreendemos a solidão e motivos emocionais do protagonista. Eu não vi essa equidistância moral. O tom trágico e o centro exclusivo da narrativa no mesmo e o retrato de austeridade e crueldade da punição levam-nos claramente para o lado de Okrasa. A este olhar libertário não é alheio creio, o percurso de dissidência e exílio políticos do realizador Jerzy Skolimowski na reprimida Polónia comunista em que estudou Belas Artes. Mas este não é uma limitação do filme mas antes a sua grande virtude. Vivemos por dentro a solidão do homem, as suas obsessões. Num cenário de