David Lynch diz que cada papel terá 5 ou 6 actores que o podem fazer igualmente bem, mas que há sempre um ideal. Ou seja, que poderão existir 5 ou 6 excelentes potenciais performances mas que todas serão diferentes. Diz que, um pouco como na música, a mesma peça tocada com uma flauta ou com um trompete pode sempre oferecer algo de maravilhoso mas completamente distinto, duas direcções diferentes. Compete ao realizador escolher a sua via.
Lembrei-me desta opinião quando ouvi Quentin Tarantino a falar do seu excelente filme Inglorious Basterds. O processo de casting, dizia ele, foi um desafio de muitos meses pois procurava não só a necessária fluência multilingue nos seus actores mas também a necessária poesia nessa fluência: a tal música que Lynch falava e que só um escritor de diálogos prodígio como Tarantino consegue antecipar aquando da escrita.
O seu fetiche "dialoguista" enfatiza a tal musicalidade que se completa, porém, na vida própria que um determinado actor lhe empresta. A austeridade da língua alemã representaria um enorme desafio ao tal desejado "calor" rítmico das palavras. Solução: o já mítico Coronel Hans Landa representado pelo Christoph Waltz! Um tiro de casting miraculosamente certeiro: o tal homem que domina três idiomas e todos eles com uma graciosidade adequada à sua implacável mas cortês personagem.
É o próprio actor que fala do seu enorme e bem sucedido desafio:
A erudição dos Cahiers du Cinema classificou, sem desdém nem soberba intelectual, Tarantino de realizador inculto. Na medida em que as suas revisitações de géneros fílmicos são feitas com um enciclpédico conhecimento da história do cinema mas sem preocupações reflexivas.
Na minha opinião Inglorious Basterds parece-me representar a expressão máxima da sua cinefilia. Já vai além do tal mergulho estético num dado universo de estilo ou a recuperação subversiva (mas respeitosa, quase com vénia) de um género ou época do cinema - é a própria problematização do cinema e seu poder. A imagem é o actor principal do filme. Mergulhar em Riefenstahl e no culto da imagem no regime Nazi é do que mais ambicioso e problematizante fez.
Mas se no conteúdo vai mais longe, é na sua forma que Tarantino se torna um pouco prisioneiro de si mesmo. Como inovar depois da vertigem e assombro de Cães Danados e Pulp Fiction?! O que consegue é mais alguns espantosos picos de qualidade que ficam para a história do cinema dos quais a primeira cena do filme é a mais marcante! Este filme está bem acima da auto-referenciação desinspirada de Death Proof mas também não é a pedrada no charco que outros foram. Mas também...a fasquia é muito alta;)
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