Manuel João Vieira (MJV) sempre me pareceu, ele próprio, uma caricatura, uma personagem de ficção. Sempre soube, com uma boa dose de auto-ironia, explorá-la (a personagem): o Manuel boémio e diletante; feio de olhos esbugalhados; estranho e desajeitado; o espalha-brasas; o palhaço triste! Esta série tem a orginalidade de prolongar essa sua dimensão caricatural. Como se fossemos convidados a ver, em filme, aquilo que seria a nossa percepção da sua vida e pessoa. O resultado: o burlesco no seu melhor!
Há certas cenas, como a da actuação do MJV no Natal dos Hospitais, que estão uma delícia de estilo e de kitsch. Também o gag que evoca Bergman e o célebre jogo de xadrês com a morte (Sétimo Selo) está invulgarmente bem recriado para a habitual magreza de meios de uma produção televisiva.
A ficção da televisão pública tem por estratégia associar a marca de “qualidade” a produções avultadas, geralmente reconstituições históricas ou adaptações de romances de grande visibilidade. Tudo muito inócuo e certinho, amarrado a uma noção quadrada de serviço público. De inovador e independente tem feito muito pouco. Mesmo a RTP2 tem, apesar de ser essa a sua vocação, muito pouco currículo na matéria.
Objectos como o Mundo Catita, goste-se ou não, em que se aposta na visão própria de um autor de forma íntegra e não moralista é coisa rara. É, no mínimo, animador não ter personagens como MJV confinadas à sobrevalorizada incubadora criativa que é a Sic Radical
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